Músico gaúcho explora diálogos intrapessoais e limiares da loucura em novo álbum. Ouça ‘Atlas e o Pêndulo na Verdade Sobre o Não Dito’ aqui.
Olha, tenho falado bastante isso, mas é que é verdade: as redes sociais são maléficas? Com certeza. Eventualmente elas se fazem úteis? Oh yeah babe.
Foi através de uma mistura algorítmica com vida real que conheci o Daniel Tessler, músico gaúcho que encabeça o projeto TESS. Embalado por ondas de rock e pop inglês, o projeto já rendeu um álbum homônimo em 2013 e o EP ‘Multicolor Movietone’ em 2015.
Ouça o disco ‘Tess':
No primeiro semestre desse ano Tessler começou a dar sinais de que tinha novidades a caminho com o lançamento do single ‘Não Quero Mais Me Desculpar‘. As tais suspeitas foram confirmadas no mês passado com o anúncio em forma de vídeo (bem doido por sinal) de um novo álbum.
Teaser dirigido por Cisco Vasques:
E hoje Tessler finalmente nos apresenta seu mais recente trabalho. Aliás, Tessler não, mas sim seu alter ego Atlas Bartholomeu – “uma figura extravagante, vagabunda, um lord ébrio, um Drácula-pirata romântico, um nowhere man de si mesmo, à deriva em uma embarcação no século XVIII”, como explica o músico.
Essa figura é o personagem central da jornada-ópera-rock que é ‘Atlas e o Pêndulo na Verdade Sobre o Não Dito’. Lançado pelo Selo180 e com 13 faixas que misturam elementos circenses e de música clássica ao bom e velho rock’n roll, o disco arrasta o ouvinte para uma peregrinação intrapessoal. Através de diálogos internos que afrontam sentimentos de auto-rejeição, inclinações suicidas e percepções sobre a fragilidade da mente humana, vamos percorrendo os limiares da loucura de Atlas – e, por que não, da nossa também, até o momento de aceitação e reconciliação consigo mesmo. Parece meio insano? E é mesmo.
‘Atlas e o Pêndulo na Verdade Sobre o Não Dito’ é um disco progressivo, denso, ambicioso e que deve ser apreciado em sua totalidade, mas pros apressadinhos de plantão #generationz que querem um resumo da ópera (há!) recomendo começar pela faixa ‘Mente Fechada Boca Aberta (Valsa de Eus)’ – me deu toda sorte de era vitoriana feelings ?
E para os fanboys que curtem entender o disco tim-tim por tim-tim, vou deixar ali embaixo os comentários faixa a faixa de Tessler/Atlas. Espero que vocês três se deem bem durante a viagem.
1. Ensaio da Despedida. – dentro da embarcação, ancorada na entrada da cidade, Atlas reflete, pensa em si, pensa no caos que ele mesmo é. Então, depois dessa reflexão, ele recebe um chamado dele mesmo. Sai da sua embarcação e entra na cidade. Começa a escutar os sons da cidade, escuta pessoas falando em uma taverna e vai até lá. Depois de entrar, sinos e despertadores começam a tocar na sua cabeça e ele tem um despertar. Ele se percebe.
2. Mente Fechada, Boca Aberta (Valsa de Eus) – começa o diálogo interno, Atlas conversa consigo mesmo sobre a sua postura como ser humano, escuta os argumentos do seu eu para que ele não seja mais como ele é, para que ele consiga se desatar de si mesmo e então se reencontrar. Ele sai da taverna e se condena a morte. Ele precisa se matar para se reencontrar e então viver em paz. É condenado por si mesmo a morte na forca e começa um processo de reconhecimento e desitoxicação de si mesmo.
3. Me Perdi – Reconhecimento de que se perdeu de si mesmo e todos os conflitos que isso causa.
4. O Espelho – Crise de abstinência de si mesmo, se encarando no espelho e lutando para não se matar, para não recusar a sua própria imagem, se aceitar, lutando para se encontrar, se reconectar.
5. Pulo do Quinto – desespero, começo de uma confusão mental e de um mergulho nessa tristeza. Questionamentos.
6. I Don’t Give a Shit (Drunken Ducks) – como todo pirata ébrio e confuso, Atlas "desiste". Ele diz que ama, mas também diz que não se importa. Ele não se importa mais com ele mesmo.
7. Fim de Tarde – passado o dia, tendo condenado a si mesmo a morte, tendo lutado consigo mesmo para não se matar e se reconectar, ele tem uma realização: o fim de tarde. O Sol ainda brilha lá fora, se despedindo para dar lugar a Lua, em um espetáculo que tenta colocar a cabeça dele no lugar.
8. Insônia – Atlas passa mal, uma crise forte de abstinência de si mesmo. Ele precisa se colocar no "Modo On", precisa se reconectar consigo mesmo, mas ainda não consegue. Ele começa a ter pistas.
9. Quarto Escuro – então Atlas começa a se reconhecer ali, deitado naquele quarto escuro, sem conseguir dormir, ele percebe que ele talvez nunca tenha se importado de fato com ele mesmo, que ele trancou aquela criança no quartinho dos fundos e não tinha a menor intenção de tornar essa criança livre novamente.
10. Eu Te Amo e Te Odeio Ao Mesmo Tempo – Atlas vira uma espécie de Drácula, começa a perceber a sua dualidade, prefere esquecer de si mesmo do que viver nesse mundo sem se ter de verdade.
11. Para e Me Deixa – Atlas ainda não se perdoa totalmente, volta a ser ébrio, confessa tudo na taverna, mas ainda espera que aquela pessoa volte a gostar dele. Ele precisa que a criança dele o perdoe e precisa perdoar a sua criança.
12. Não Sinto Falta de Você, Só Sinto Falta de Mim – Atlas consegue exorcizar seus demônios, ele pergunta pra si mesmo o que ele se tornou, ele corre pra si, ele se reconecta, ele entende.
13. Escute Seu Mantra, A Sua Criança – então, por fim, Atlas escuta a sua criança. Eles fazem as pazes, voltam a se conectar. O amor acontece. O espelho agora reflete de igual pra igual. Atlas volta a ser ele mesmo, puro, potente, criativo e feliz.
—