Comentado por Caio Cezar Mayer do blog Minuto Indie.
O ano de 1967 foi um dos mais significativos para a música mundial. A ascensão hippie, the summer of love e a consagração da psicodelia foram pontos cruciais no curso da história do rock’n roll, da música pop, country, folk, soul e do acid rock. E como eu amo os anos 60, não poderia deixar de prestigiar o meio século desse ano tão importante. Para isso, criei a coluna 1967 EM 50 DISCOS, onde semanalmente comentaremos álbuns lançados nesse ano.
A indicação de hoje vem do Caio Cezar Mayer do blog Minuto Indie, vai lá Caíto!
Álbum: ‘The Velvet Underground And Nico’
Gravadora: Verve Records
Artista: Velvet Underground
Lançamento: março de 1967
por Caio Cezar Mayer
edição final Joyce Guillarducci
Punk, pós punk, art rock, shoegaze, indie, garage, alt rock, grunge, dreampop. O que todos esses estilos têm em comum? Todos foram influenciados por esse registro antológico, que abriu as portas para as infinitas possibilidades da música alternativa.
Apesar do relativo fracasso comercial – o disco vendeu apenas 30 mil cópias no mundo inteiro em seu lançamento, mesmo com o apoio e produção da estrela da pop art Andy Warhol – e do descaso de boa parte da mídia especializada, a estreia do Velvet Underground influenciou gerações inteiras de músicos ao redor do mundo. Como disse Brian Eno, o disco vendeu pouco mas “todo mundo que comprou esse disco começou uma banda”.
Mas não é a toa que o trabalho de Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Maureen Tucker, em parceria com a cantora alemã Nico, encontrava dificuldades para ser divulgado por rádios e revistas especializados. Muito a frente de seu tempo, Lou Reed abordava temas como sexo não convencional, perversões, uso e abuso de drogas, prostituição, etc. Fã de poetas como William Burroughs e Allen Ginsberg, Reed achava essas temáticas ideais para uma banda de rock. Apesar de eu concordar com o cara, muitas lojas, rádios e casas de show não viam da mesma forma. Em uma época ainda mais moralista o disco acabou banido em muitos pontos de venda e difusão.
A parte musical da banda também não devia nada em termos de vanguardismo e destoava de praticamente toda a produção do rock da época (que era também maravilhosa, é bom deixar claro). Apesar da produção do artista plástico Andy Warhol, mentor da banda e responsável pela lendária “capa da banana”, boa parte da musicalidade do grupo vem da cabeça genial de John Cale, entusiasta de métodos alternativos de produção sonora e experimentalismos. Lou Reed, que já fazia suas experiências com afinações alternativas, foi o parceiro ideal. Um bom exemplo do resultado dessas experimentações é a afinação criada por Reed para uma canção homônima batizada de Ostrich, que consiste em afinar todas as cordas da guitarra na mesma nota. Essa afinação foi utilizada nas músicas Venus in Furs e All Tomorrow’s Parties. Cale, por sua vez, tinha uma viola que ele costumava usar com cordas tanto de violão como de bandolin, e que, de acordo com Cale, produzia um som de avião quando tocada em volume alto. Essa técnica foi usada em canções como Venus in Furs e Heroin.
O disco começa com a delicada Sunday Morning, que conta com os vocais de apoio de Nico. Uma curiosidade é que a cantora, que canta ainda o vocal principal nas canções Femme Fatale, All Tomorrow´s Party e I´ll Be Your Mirror, não era muito bem vinda no grupo. Com o fracasso comercial do disco Reed demitiu Warhol da produção, o que abriu espaço para a expulsão de Nico, que era mantida no grupo por vontade do produtor.
A delicadeza musical e temática da primeira canção dá lugar ao rock repetitivo e hipnótico que canta a saga do viciado para comprar mais drogas I´m Waintng For My Man. A delicadeza volta a cena em Femme Fatale, mas apenas como pano de fundo para contar sobre uma mulher destruidora de corações. Mas nada comparado a Venus in Furs. A música é completamente baseada no livro de mesmo nome do escritor alemão Leopold von Sacher-Masoch, que originou o termo masoquismo e a letra fala abertamente sobre um homem dominado por uma mulher (Shiny, shiny, shiny boots of leather/ Whiplash girlchild in the dark/ Comes in bells, your servant, don’t forsake him/ Strike dear mistress and cure his heart). Run Run Run conta o desespero e o vazio de vidas desajustadas, tema que se repete em All tomorrow´s Party (And what costume shall the poor girl wear/ To all tomorrow’s parties/ A hand-me-down dress from who knows where/ To all tomorrow’s parties). Depois disso vem a impactante Heroin, que nos leva direto para a cabeça de um viciado em heroína. A letra é pesada e a música é linda e tóxica ao mesmo tempo. Viola distorcida e repetitiva, a voz quase agonizante de Reed, o desenvolvimento progressivo que pode remeter tanto ao desenvolvimento de uma viagem da droga como a crise de abstinência. A letra é clara ao tratar a heroína como “o amor”e “a esposa” de Reed e exala agonia em trechos como Because when the smack begins to flow/I really don’t care anymore/\ About all the Jim-Jims in this town/ And all the politicians making crazy sounds/ And everybody putting everybody else down/ And all the dead bodies piled up in mounds. O clima fica um pouco mais leve em There She Goes Again e I´ll Be Your Mirror, afinal o que são separações não consentidas e outros problemas amorosos depois de sair da mente de um junkie. Nas últimas músicas, The Black Angel’s Death Song e European Son, Reed e sua banda voltam a tratar de temas pesados, no caso, a morte, e todas as bandas que usam qualquer tipo de noise em suas músicas devem pagar tributo a essas pérolas do Velvet. Climas de aflição e agonia são criados sem abrir mão da harmonia. Barulho, muito barulho, ruídos, distorções , afinações alternativas, levada não convencional, tudo pode ser encontrado nessas canções.
Muito muito muito a frente do seu tempo, não foi a toa que escolhi esse disco. Toda a cultura indie deve tributo a essa pérola que influenciou a história da música alternativa. Indispensável.