Brasil!… Brasil!… Prá mim!… Prá mim!…
O Natal católico passou, e nele fazemos pedidos, temos esperanças e sonhos para o Novo Ano. É sempre estranho para mim pensar que a palavra “sonho” tem dois significados em outros idiomas: um para sonhos noturnos e um para devaneios. No entanto, este trocadilho é a chave para entender o satírico filme distópico de Terry Gilliam. Duas coisas me conectam com o tempo e espaço deste texto: o filme se passa no Natal “em algum lugar do século XX”, e o nome dele é “Brazil”.
Em 1984, Gilliam era mais conhecido como o autor da absurda animação “Monty Python’s Flying Circus” e, mais tarde, como diretor e produtor dos longa-metragem Monty Python. O projeto de sua nova filmagem era bem ambicioso, sendo chamado de “1984½” – uma mistura de “1984” de Orwell com “8½” de Fellini, duas obras primas que retratam problemas da sociedade do século XX.
O plot, no entanto, é mais Kafkiano do que Orwelliano. Devido à uma pane em seu sistema, a máquina burocrática prende um homem inocente ao invés do terrorista Archibald Tuttle (Robert de Niro) bem na véspera de Natal. Uma garota da vizinhança chamada Jill (Kim Greist) percebe que a execução foi um erro, mas o assustador Ministro da Informação não lhe dá ouvidos. Ao mesmo tempo, Sam Lawry (Jonathan Pryce) vive em duas realidades: durante o dia é um empregado sem ambição, mas em seus sonhos ele é Ícaro. Quando conhece Jill, ele percebe que ela é a garota com quem ele sonhava em seus devaneios, mas sua estória de amor é incompatível com o mundo burocrático com infinitos dutos de ar em que eles vivem.
Sim, os dutos são as partes mais marcantes do cenário: o filme começa com uma propaganda dos dutos, e então eles podem ser vistos em quase todas as cenas. A decoração e figurinos são loucos para os mundos “distópico” e “utópico”: se você já viu algum outro trabalho de Gilliam, você sabe que ele tem uma imaginação extraordinária.
No entanto, filmes ficam impossíveis sem uma trilha sonora. Gilliam teve a ideia para a música quando assistia ao pôr-do-sol numa parte industrial do País de Gales e de repente seu rádio tocou “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso. O som romântico da música sul-americana era tão destonante da poeira de carvão e contêineres, que ele imediatamente decidiu não só utilizar a melodia em “1984½”, mas também renomear o projeto inteiro para “Brazil”. Por uma misteriosa coincidência, “Brasil” ou “Hy-Brasil” é o nome de uma utópica ilha na mitologia irlandesa, lugar de refúgio para os abençoados.
Para completar a música do filme, Terry Gilliam contratou Michael Kamen – conhecido como o condutor que tocou com Roger Waters, Eric Clapton e Metallica. Como resultado, Gilliam e Kamen criaram uma das trilhas mais fascinantes da história do cinema: eles decidiram usar apenas a melodia de Barroso em diferentes arranjos. A música adaptou-se perfeitamente para escritórios lotados, sonhos fantasioso de Sam Lawry, paisagens futuristas, momentos românticos e tensos.
Por exemplo, misturada ao som das máquinas de escrever, adapta-se perfeitamente à loucura do escritório:
O tom romântico fica comovente e heroico nos sonhos de Lawry:
Kate Bush também gravou uma versão da música para o filme, mas sua voz não aparece nele:
Para os créditos finais, algo mais sul-americano é usado, com maracas e apitos:
Definitivamente vale a pena assistir e ouvir Brazil – espero que façam isso logo nesse início de ano pois o filme contém diversas referências à celebração do Natal. A trilha sonora foi lançada em LP e CD, e também pode ser obtida no iTunes junto com uma faixa bônus contendo uma entrevista de Terry Gilliam sobre a criação da mesma.
Desejo à todos um Feliz Ano Novo!
Original em Inglês escrito por Pavel Kryukov
Tradução para o Português por Joyce Guillarducci