Eu vou me abrir para ti: músico paraense se joga nos beats do lo-fi pop em novo single. Ouça ‘Flor’ + entrevista.
foto: Duda Santana
Yuri Reiner é um dos jovens artistas mais ativos da cena independente de Belém/PA que vem desde 2016 experimentando com sonoridades que vão do indie eletrônico ao rap, e que já renderam os EPs ‘Filho da Nuvem’ (2016) e ‘In The Sun’ (2018), além de 3 singles que formam a “trilogia vermelha” – eu amo um conceito.
ouça Reiner:
Em 2020 Reiner lançou o single ‘Saudade’, uma colab com o rapper paraense Daniel ADR e a cantora e compositora cearense Emischramm, e agora se joga nos beats & synths do lo-fi pop com ‘Flor': inspirada na metáfora de ‘Ave, Lúcifer’ de ‘Os Mutantes’ e com referências de diversas artistas mulheres que têm estado presentes nas playlists de Reiner como Letrux e Bruna Mendez, as artistas franco-cubanas que misturam soul com cantos yorubá Ibeyi e a jazzista britânica Sade, o single é uma celebração do feminino e uma reflexão sobre o desabrochar sentimental, amoroso e sexual, resultado de tensões, embates e conflitos, dramas de todo relacionamento amoroso. ‘Flor’ também veio acompanhada de um videoclipe dirigido por João Urubu que utilizou uma estética synthwave e revisitou a paleta de tons de vermelho, criando uma conexão com os trabalho anteriores.
assista Flor:
Aproveitando o lançamento, conversei com o Reiner sobre o processo de criação e símbolismos da nova faixa, cena paraense, planos futuros que prometem se enveredar pelos caminhos do trip hop e ritmos africanos e também sobre saudades da era pré-apocaliptica, confere nosso papo aqui:
Reiner, você já contou que as referências para seu novo single “Flor” incluem desde Os Mutantes à diversas mulheres artistas como Letrux e a dupla franco-cubana Ibeyi que acabei conhecendo por conta do seu trabalho e tô encantada, maravilhosas! Nos fale um pouco sobre o processo de criação e símbolismos dessa faixa.
Antes de tudo, fico lisonjeado em saber que pude influenciar alguém a gostar de Ibeyi!! hahaha elas são incríveis demais!! Meu processo é bem solitário, é aquela história de muita transpiração e pouca inspiração. Na quarentena, pude me voltar pra mim mesmo e pra minha musica e me aprofundar em trabalhos que me inspiram, principalmente de música brasileira na questão das harmonias e melodias que tanto me fascinam no samba e na bossa nova, por exemplo. A partir daí, além das referências que eu quis imprimir, acho que essa coisa da brasilidade veio naturalmente, já que eu mesmo produzo as minhas coisas dentro do meu quarto. Eu vejo a composição como um quebra-cabeças em que eu tenho que ir encaixando determinadas peças pra que aquilo passe a fazer sentido pra mim. Além de que, antes de Flor, eu devo ter jogado “no lixo” umas 10/15 canções, como eu disse, o processo é transpiração mesmo. As simbologias dentro da música moram na questão amorosa, pra mim, amor não é um sentimento, eh uma construção de determinadas situações e sentimentos que acabam gerando o amor, talvez ele seja bem maior do que estamos acostumados a ver e ouvir em obras da cultura pop. Uma coisa que acho interessante nesse trabalho foi a conexão que tive com a artista visual Elisa Arruda que fez uma verdadeira obra de arte pra capa que traduz exatamente o que quis passar com a música. Ela trouxe o conceito das mãos, coração e a própria flor sobrepostas e acho que o amor eh isso mesmo, sustentação, sentimento e tesão, respectivamente, representados pelos elementos que ela trouxe.
pra quem também tava sei lá, em cativeiro igual eu, esse aqui é o duo Ibeyi:
A força criativa dos músicos do Pará parece estar numa constante efervescência e frequentemente chegam nomes daí aos ouvidos do Cansei, trazendo desde releituras de ritmos tradicionais, como os experimentalismos com reggae/lambada/carimbó do Juca Culatra até o flerte com vertentes do electro, dream pop e até french house que temos encontrado nos trabalhos da Slowaves, da Circe e, claro, no seu. Pra você que está bem aí neste epicentro, sente que a cena independente paraense tem seguido motivada apesar de todas as incertezas e dificuldades deste momento?
Eu sinto que as pessoas vêm desenvolvendo os seus trabalhos sem se apegar às incertezas sim. Acho que tá todo mundo atrás da sua própria identidade e do seu público. Acredito que a cena atual de Belém é a mais criativa e frutífera que a cidade já teve por termos várias pessoas fazendo os seus sons, trazendo as suas verdades com o intuito de se conectar com as pessoas ao seu redor. Um exemplo disso, é o Arthur da Silva, um artista preto aqui da região que fez um EP conceitual que narra uma viagem por Belém baseado numa frase muito famosa que estava escrita num prédio histórico do centro da cidade chamado Solar da Beira, a frase era a seguinte: “Daqui, em 1976, acenei para você”. Ele eternizou essa frase já que o prédio hoje, se tornou um restaurante gourmet elitizado pra turista ver. Acho que é isso, sabe? A maioria dos nossos artistas estão conectados com a cidade mas ao mesmo tempo tem um discurso universal que pode fazer com que pessoas de todo o pais prestem atenção no que é feito por aqui.
E sem apego às texturas eletrônicas e a levada mais pop de “Flor”, em trabalhos futuros você pretende voltar a explorar sonoridades menos convencionais que enraizam suas influências, é isso?
Eu planejo gravar um disco ano que vem que fale sobre colorismo, racismo e meritocracia. Venho estudando e discutindo esses assunto há algum tempo e sinto a necessidade de falar sobre isso no meu trabalho. Talvez, Flor seja a “minha última cartada pop” hahahah. Eu sinto muito a necessidade de experimentar e misturar as influências regionais que existem aqui na minha cidade. Um ritmo que eu gosto muito é o lundu, uma dança hipnotizante que tem uma trilha sonora quase como um mantra. Percebi que o trip hop, um gênero que nasceu e morreu nos anos 90 possui células rítmicas que se aproximam do lundu, então vou juntar tudo isso em uma coisa só e ver no que sai. Na verdade, já existem demos do trabalho, o objetivo é gravar essas músicas e lançar tudo no ano que vem.
Pra fechar e pegando gancho no seu lançamento anterior que foi a colab com o Daniel ADR e a Emischramm: 3 coisas que você mais sente “Saudade” da realidade pré-apocaliptica?
- Fazer shows ao vivo talvez seja a minha maior saudade!!
- Ir pro bar com os amigos sem medo de ser feliz ou do coronavírus hahaha
- Chamar os amigos pra virem na minha casa, talvez essa seja o que eu mais tenho saudade MESMO!
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