Sobre meias novas e abraços: confira as novidades da dupla paulista + entrevista.
foto: Alessa Berti.
lllucas é um projeto idealizado pelo cantor e multi-instrumentista paulista Lucas (voz/guitarra/synth). Desde 2018 ele conta com a parceria de Caio Campos (baixo) na criação de camadas de beats e texturas diversas para embalar letras influenciadas pela análise de relações interpessoais e referências literárias que vão de mitologia grega a Bauman. O resultado é um synthpop/dreampop com atmosfera nostálgica e sedutora, e que pode ser conferido em alguns singles e também no EP ‘Creme Azedo’ (2018).
ouça lllucas:
A produção mais recente da dupla foi um single lançado agora em março em meio ao cenário de quarentena e distanciamento social trazendo o bem apropriado nome de ‘Meias Novas Esquentam Mais do Que Abraços’. A faixa explora a dualidade das relações e “trata de forma escrachada esse conceito amores líquidos, de Bauman, em contraponto ao conceito de amor romântico, proposto por Goethe, por exemplo”, como conta a dupla, que agora prepara uma mixtape que está sendo mixada e masterizada por Carlos Becthet no estúdio Orelha Muda.
Meias Novas Esquentam Mais do Que Abraços também ganhou um videoclipe produzido pela Lombada Filmes:
Aproveitando o lançamento, conversei com a dupla sobre este momento de ressignificação das relações modernas, spoilers da mixtape que tá em produção, colab com a banda sergipana Cidade Dormitório e também sobre meias novas e abraços, confere tudo aqui:
O single mais recente de vocês, ‘Meias Novas Esquentam Mais do que Abraços’, trata da instabilidade das relações modernas e acabou vindo justamente num momento de ressignificação dessas questões, quando o distanciamento social tem sido compreendido como sinal de amor. De onde vieram as inspirações pra este som e como vocês veem a relação dele com este período que vivemos?
Lucas & Caio: Meias Novas Esquentam Mais do Que Abraços trata de forma escrachada esse conceito amores líquidos, de Bauman, em contraponto ao conceito de amor romântico, proposto por Goethe, por exemplo. Meias e abraços talvez tenha sido a forma mais cômica de se expor essa dualidade. À primeira vista, a letra pode soar como uma crítica às relações líquidas, mas acho que não chega nem perto disso. Ela é apenas uma análise de como esses dois conceitos se completam, se anulam, ou, como você disse, tomam papéis inversos onde, graças à internet, os afetos cibernéticos (que antes eram tidos como uma representação da liquidez), hoje, por conta de tudo que vem acontecendo, são a única forma de se demonstrar amar alguém. A lírica dela é construída como pequenos frames formando uma cena. Algo meio concretista, usado nas letras de Arnaldo Antunes, por exemplo. É uma forma de escrever que tem ajudado a botar pra fora o que sinto, como um vômito de coisas que vejo ao meu redor.
E a faixa veio acompanhada de um videoclipe belíssimo que oferece uma versão mais lo-fi da vibe bucólica apresentada ano passado em ‘Azul’ – ambas realizações da Lombada Filmes. Nos falem sobre o processo de concepção dessas produções.
Caio: Os clipes foram pensados por mim, junto da galera da Lombada. Vieram para serem forças opostas. Azul contendo imagens contemplativas que, e uma construção de roteiro feita para despertar em que vê, a dualidade, as incertezas e os medos. Meias foi construído para ser algo mais intimista. Amizades, momentos pontuais de solidão, deixando para o que isso pode representar para cada um.
veja o clipe de Azul:
Atualmente vocês estão trabalhando na mixtape ‘KIT/processo’ e devemos ouvir mais dela ainda esse mês certo? O que mais vocês podem adiantar deste disquinho por enquanto?
Lucas & Caio: O nome KIT/processo surgiu numa época a.C. (antes do Corona). Mas, assim como (quase) tudo que a gente faz, recebeu, por ironia de tudo que vem acontecendo, um ressignificado tragicômico. As composições e texturas seguem uma linha muito urbana, com momentos que variam entre o calmo e instantes de ebulição caótica. A capa, feita pelo Caio, é responsável por materializar uma estética que contempla simetria e desordem, algo que é muito específico de centros urbanos. Por fim, eu descreveria KIT/processo como um retrato do sujeito que sofre da depressão-periférica, o movimento subúrbio x centro que sobrecarrega, cansa. Mas um processo que também possui momentos contemplativos, de reflexão sobre a dor, amores, e outras subjetividades.
No ano passado vocês gravaram uma colab com a sergipana Cidade Dormitório que eu amo demais. Como rolou esse contato com eles?
Lucas: A gente diz que, como não deu pra fazer com o Dinho (do Boogarins), foi comigo mesmo haha. Eu morei junto com os meninos em Aracaju uns anos atrás. Em 2017, sabia pouco sobre a banda. Quando cheguei do aeroporto na casa que ia morar, eles estavam ensaiando na sala e a música que me prendeu, de cara, foi Homo Erectus Plus. Foram eles que me incentivaram a gravar a primeira mixtape, Creme Azedo (ainda em Aracaju). A gente passou por muita coisa juntos nesse tempo que eu morava lá e, mesmo distantes, sinto que a gente se influencia muito musicalmente. Foi assim tanto no processo de produção do álbum deles (Fraternidade Terror), quanto na mixtape, KIT/processo. Por conta disso, acho que a ideia do feat veio de forma muito natural. Gostamos demais do resultado final e de como soou orgânico, mesmo que à distância. Nesse mês de março estávamos com as passagens compradas pra uma turnê pelo nordeste que faríamos juntos e, de quebra, planos pra gravar uma mixtape inteira feat. Mas, por conta do coronavirus, tivemos que adiar. Quem sabe não rola uma nova colab pela internet até lá.
confira o lyric video desse feat:
Pra fechar, quando a quarentena acabar o que vem primeiro: meias novas ou abraços?
Lucas & Caio: Queríamos muito poder dizer que abraços. Mas a gente sabe que a relação individual que tínhamos com a sociedade mudou de forma brusca por conta de tudo que vem acontecendo e é difícil afirmar o quanto essa mudança será permanente. As interações digitais que, se antes apontadas como maior responsável pela liquidez das relações, hoje figuram quase que como o único veículo que possibilita a comunicação entre pessoas. Talvez o mais cabível seja aceitar que meias e abraços se fundam até que a gente não saiba (ou não queira) fazer a diferenciação do que é real ou não.
confira session da dupla no projeto Sala de Estar:
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