Excessos e danos causados por novas tecnologias são temas do EP de estreia da banda paulista. Ouça ‘Sobre(vida)’ + entrevista.
foto: Camila Sánchez
Sabe aqueles momentos em que você se sente bombardeado por tanta informação e quer simplesmente se desconectar de tudo? Pois é disso mesmo que trata o ‘Sobre(vida)’, mini EP da paulista Miragaia.
Formada por Andre Cury (voz / guitarra) e Carlos Miguel Matos (baixo / modulações), a banda estreou no início desse ano com o single ‘Nicolas’, uma homenagem a Nicolas Darakjian, baterista da primeira formação da banda, que retorna agora participando das novas faixas também: ‘SOBREVIDA’ e ‘2015’ usam um fundo de shoegaze/dream pop/lo-fi para falar sobre excessos e danos psicológicos que novas tecnologias podem causar. O EP foi produzido por Carlos Bechet do Orelhamuda no Wiro Estúdio e conta ainda com a participação de Rafael Penna (Applegate) no trompete.
ouça sobre(vida):
Aproveitando o lançamento, conversei com os rapazes sobre revolução nas telas dos celulares, influências da banda americana Turnover no EP, canções para amigos e quais momentos históricos da humanidade eles gostariam de testemunhar, confira o papo aqui:
O nome da banda seria uma homenagem a Euclides Bueno Miragaia, manifestante morto durante a Revolução Constitucionalista de 1932?
O Carlos sugeriu ”Miragaia” pra substituir o primeiro nome da banda que era muito tosco. Na realidade, a idéia surgiu na época da escola onde o Carlos ouviu o nome do estudante que foi morto na revolução constitucionalista e achou que esteticamente encaixava com a banda no momento. Foi uma questão meramente estética a partir da grafia e sonoridade, a banda nunca teve nenhum cunho político. Ou seja, o nome veio do estudante, mas não remete simbolicamente à ele.
Pegando esse gancho, o novo ep ‘sobre(vida)’ aborda a temática dos danos causados pelo exagero de novas tecnologias. Vocês acham possível que a próxima revolução virá das telas de nossos celulares?
Com certeza, qualquer futura movimentação social vai necessariamente passar pela tela do celular. Na música a gente fala que está cansado (rs), mas o celular pode ser incrível dentro do contexto certo. O EP apresenta na letra um eu-lírico que tem seu sofrimento transpassado pela tecnologia, pelo menos essa era a idéia que a gente quis passar. A gente tentou colocar esse objeto de assunto de uma forma menos óbvia, porque esse discurso crítico em relação às novas tecnologias ficou meio saturado. A letra traz as sensações do sujeito dentro desse contexto moderno de novas mídias, onde fazemos referências esporádicas do celular ou coisas do tipo na busca de construir essa narrativa junto com quem tá ouvindo. Alguém em Sobrevida já está vivendo mais do que o esperado, e foi assim que a gente tentou significar o EP.
Nos falem um pouco sobre o processo de criação e produção das novas faixas ‘2015’ e ‘Sobrevida’.
Adotamos uma abordagem de criação caseira/intimista e na falta de um baterista acústico tomamos a iniciativa de criar tudo no quarto do vocalista, a gente tinha acabado de perder nosso baterista , o Nicolas, e não conseguimos ficar parados. Então, adotamos o conceito do home studio com os conhecimentos e equipamentos que tínhamos na época. Acontece que no meio da produção das prés, o Nicolas resolveu passar uma temporada aqui e compôs e gravou a bateria das duas músicas. Todas as prés foram criadas com uma placa de áudio e muita coragem (rs), passamos dias buscando timbres pra compor músicas que seriam posteriormente produzidas pelo Carlos Bechet da produtora Orelhamuda. ‘’SOBREVIDA” foi uma música que estava enterrada no computador do André há um tempo, e ele trouxe pra banda que lapidou o som. ”2015” nasceu do zero, através de uma linha de baixo que o Carlos compôs. E ainda rolou uma participação do Rafael Penna, da Applegate, fazendo a linha de trompete na primeira faixa do EP.
O som de vocês traz uma mistura de indie rock / shoegaze / dream pop. O que vocês citariam como referências sonoras da banda?
‘’SOBREVIDA” teve uma influência marcante do álbum ‘’Peripheral Vision’’ do Turnover, tanto em timbres na mixagem quanto de forma simbólica. ‘’2015” dialogou bastante com uma galera nova que temos acompanhado do lo-fi, que vem crescendo no soundcloud. Na época que decidimos pensar um EP novo, adotamos elementos eletrônicos como o sintetizador, percussão e samples que só a produção em software proporciona. A idéia sempre foi compor algo que viveria apenas nas plataformas digitais de streaming, nossa idéia não era tocar o EP ao vivo, até porque precisaria de umas 3 guitarras, 4 vocalistas e o Derrick Rose pra cantar em ‘’2015” (rs). Esse conceito de música que não vai e nem tem pretensão de sair da plataforma digital contribuiu com a escolha do tema da letra.
O primeiro single de vocês, ‘Nicolas’ é uma canção bela e nostálgica e uma homenagem ao antigo baterista da Miragaia, certo? Do que vocês mais sentem falta da época em que ele estava na banda?
São tantas coisas que fica chato de enumerar (rs). Com certeza, daquele frio na barriga adolescente de ter uma banda e não saber o que pode acontecer, porque quando se é adulto muitas vezes fica óbvio que nada de novo vai acontecer. Acho que os ensaios fazem muita falta, era um momento muito descontraído, o single seguiu a saída dele e conta com esse tom de melancolia adolescente. Talvez tudo na vida seja assim. O primeiro show, primeiro ensaio, problemas e soluções infantis que sempre acabam em algo novo, tudo isso faz bastante falta nessa nova fase que estamos entrando. Ter banda sempre traz problemas, mas a Miragaia sobrevive à três anos e ainda vai construir muita coisa. No fim, somos muito amigos e novos membros que entrarem vão participar desse projeto.
ouça Nicolas:
Embarcando nessa vibe de nostalgia, se vocês pudessem voltar no tempo e testemunhar um único momento histórico da humanidade, qual seria?
Andre: Essa foi inesperada (rs), mas acho que em 63 quando a tv tupi fez a primeira transmissão em cores da televisão brasileira. E sim, eu pesquisei no celular essa informação agora.
Carlos: De bate e pronto, me vem o Carlos Santana em Woodstock ou a queda do muro de Berlim.
***