Em uma galáxia distante chamada meados dos anos 60 surgiu a The Galaxies, banda formada pelo inglês David Charles Odams (guitarra e vocal), pela americana Jocelyn Ann Odams (maracas e vocal) e pelos brasileiros Alcindo Maciel (guitarra / vocal) e Zeca de Aquino (guitarra / bateria) e que só vim tomar conhecimento 50 anos-luz depois do lançamento de seu primeiro e único registro fonográfico: composto por covers da galera cool da época, como Donovan, Yardbirds e Love, e composições originais – das quais destaco a faixa ‘Hey!!!’, que inclusive já tenho tocado nas discotecage por aí, o auto-intitulado disco do quarteto mistura folk, psicodelia e música beat e é uma das jóias raras da nossa cena garage.
E daí que em 2015 o Selo 180 se uniu ao Record Collector para promover um relançamento em vinil (já esgotado por sinal) do The Galaxies incluindo duas faixas bônus inéditas. Pronto, paro por aqui, pois não há mais nada que eu possa dizer para acrescentar alguma informação além de toda a rica pesquisa que o Rodrigo de Andrade do 180 e o Frederico Cesquim do Record Collector fizeram para compor o encarte do vinil, então vou simplesmente reproduzir na íntegra esse texto maravilhoso que inclue a história da banda e do disco e relatos do integrante Zeca de Aquino, que hoje é desembargador mas continua rock’n roll. Queria também parabenizar os dois selos não só por esse trabalho, mas pelo relançamento de tantos outros títulos raros que eles já viabilizaram e por todo o cuidado com a galera nova também. Valeu gente!
Álbum: ‘The Galaxies’
Artista: The Galaxies
Gravadora: Som Maior / Selo 180 / Record Collector
País: Brasil / EUA / Inglaterra
Lançamento: 1968
por Rodrigo de Andrade
É com imenso orgulho que Record Collector Brasil e 180 Selo Fonográfico promovem a reedição do LP The Galaxies, lançado originalmente em 1968 pelo selo Som Maior. A banda é singular: nascida no circuito garage rock paulista, reunia dois brasileiros com outros dois integrantes estrangeiros, um inglês e uma americana. Esse resgate histórico permite que toda uma nova geração tenha acesso a essa peça rara da história do rock brasileiro.
Optamos por manter a arte original da capa, no intuito de aproximar esse relançamento ao máximo do original de época. Na nossa visão como consumidores de música, a inclusão desse encarte contando a história do disco e da banda é essencial. Portanto, um grande esforço de pesquisa foi empreendido para elaborar estas linhas com informações corretas. Nesta pesquisa, conseguimos garimpar, restaurar e acrescentar duas gravações completamente inéditas da banda.
Somos profundamente agradecidos ao Desembargador Zeca de Aquino, integrante original do The Galaxies, que nos proveu todo o material necessário para elaborarmos essa nova versão do disco, e pacientemente respondeu a todas as perguntas para o texto do encarte e autorizou em nome da banda a reedição oficial deste álbum.
Agora deite a agulha sobre o disco e embarque conosco nessa viagem por uma galáxia distante…
ouça The Galaxies, infelizmente sem a versão de Happy Together que só aparece no novo vinil
Numa galáxia distante, onde nenhum colecionador jamais esteve…
No universo dos colecionadores de discos, existem galáxias cujas estrelas são objetos de matéria negra que, ao invés de luz, emitem um som raro. E tatear nesse cosmos musical, buscando sons celestiais, não é uma missão fácil. Para a sorte dos aficionados, outros viajantes desenharam mapas estelares que permite aos desbravadores encontrarem essa música rara, destinada ao ouvido de poucos.
No início da era da internet, sites como Rato Laser e Senhor F permitiram aos colecionadores brasileiros — os novos e os experientes — saberem exatamente que tipo de estrelas deveriam procurar no céu dos discos de vinil. Aos poucos, os sebos, lojas, depósitos, lotes e coleções foram sendo esquadrinhados. Hoje em dia, é muito difícil de se encontrar uma verdadeira raridade ao acaso, como se ninguém nunca tivesse percebido ela ali. Os LPs e compactos verdadeiramente raros — e caros — já estão em mãos seguras. Mas a verdade é que alguns poucos títulos nunca foram facilmente acessíveis. E o único álbum da banda The Galaxies, lançado em 1968, é uma dessas incríveis raridades!
Poeira de estrelas nos sulcos da alta fidelidade
O primeiro registro sobre o The Galaxies na rede mundial de computadores surgiu na revista eletrônica Senhor F, editada pelo jornalista gaúcho Fernando Rosa. O texto, que foi ao ar no início do milênio, falava em “uma das maiores raridades da garagem e da psicodelia tropical”, um dos LPs “mais procurados pelos colecionadores internacionais” de discos da década de 60. Foi o suficiente para que os mais antenados começassem a caçar um exemplar. Mas, definitivamente, não se trata de uma tarefa fácil.
Consultando um banco de dados do eBay, apenas 3 exemplares do LP foram negociados através desse site de leilões digitais nos seus quase 20 anos de existência (respectivamente em 2003, 2004 e 2014).
Em uma visita recente a Galeria Nova Barão — um conhecido centro de lojas especializadas em vinil bem no centro de São Paulo —, já numa investigação para a produção dessa reedição, um dos lojistas mais antigos do local garantiu: “É um dos discos mais raros. Esse aqui na minha parede é só uma capa. Até hoje, só vi 3 exemplares desse álbum”.
No ano de 2002, uma reedição parcial foi lançada. O selo Misty Lane Records — uma brecha na legislação italiana permite a produção de discos “piratas” — colocou no mercado uma versão reduzida, em um disco de 10 polegadas, com 4 faixas a menos. Em CD, ainda hoje, The Galaxies permanece inédito.
Recuperando os registros
Apesar de nossos esforços, não foram encontrados os tapes originais do disco. Acredita-se que eles não existam mais. A alternativa foi extrair o áudio de um exemplar original em excelente estado de conservação. Para nossa sorte, Zeca de Aquino, o baterista do The Galaxies, possui um LP novinho. Mais do que isso, ele guardou por mais de 45 anos um acetato de 10 polegadas e 45 rotações cujo conteúdo era uma incógnita.
Levamos todo esse material ao estúdio Reco-Master, onde o talentoso Arthur Joly pôde trabalhar as mídias. O acetato é uma peça sensível, e seu conteúdo poderia ser perdido no processo. Joly extraiu seu áudio três vezes: a primeira vez com o disco do modo como foi entregue; na segunda, ele utilizou um jato de ar para limpar os sulcos; e, por fim, o acetato foi lavado apenas com água. Em seguida, o áudio foi tratado com plugins especiais.
Para a surpresa de todos, o disco continha duas gravações completamente inéditas! A primeira era uma cover de Happy Togheter, lançada originalmente pela banda The Turtles em 1967. Ela não deve ter entrado no LP pois, na mesma época, os Baobás — um importante grupo da cena roqueira paulista na época — lançou um compacto com essa canção. Já o outro lado trazia um take inédito, mais visceral, de Hey!, composição original do The Galaxies.
O som todo foi masterizado por Joly para prensagem de vinil em método DMM (Direct Metal Mastering), com altíssima fidelidade de som. A fabricação do novo LP foi feita no Leste Europeu, na GZ Media, a maior fábrica de discos do mundo.
Histórias que o povo conta…
por Frederico Cesquim
Por volta de 2004, encontrei um disco de 10 polegadas da banda The Galaxies à venda na loja Museu do Vinil, no Ipiranga, São Paulo, e ao perguntar ao Alexandre, dono da loja, ele me informou que tratava-se uma reedição italiana de um raro álbum da banda beat/psicodélica paulista do ano de 1968.
Comprei o tal disquinho e fui pesquisar a respeito, já que nunca tinha ouvido falar do mesmo e para minha decepção descobri que faltavam 4 faixas do LP original! Desde então procurei com afinco e não encontrei um exemplar da época. Me conformei com a edição “castrada” até que, pesquisando, encontrei o Zeca de Aquino, baterista original da banda. Conversando com ele acordamos em realizar uma reedição completa, em 12 polegadas.
Após várias tentativas sem sucesso localizar os remanescentes da banda, realizamos uma longa entrevista com o Zeca para finalmente contar a história da banda e deste álbum ímpar!
Lançado em 1968 pelo selo Paulistano Som Maior (SM-1551), o álbum trazia uma capa bem diferente dos padrões da época no Brasil, apenas com o nome da banda e uma foto com os 4 integrantes, definitivamente parecendo ingleses, sobre uma foto do espaço sideral. No verso, os nomes dos integrantes, idade e nacionalidade. O repertorio com 3 músicas autorais (todas em inglês) e covers pouco usuais para o país, como Orange Skies e Que Vida do Love, Can´t judge a book by looking at the cover do Willie Dixon, porém derivado da gravação dos Yardbirds e Ain´t gonna lie do obscuro single do americano Keith.
José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino, ou Zeca Aquino, como é conhecido no meio musical, nasceu em São Paulo. Autodidata, por volta dos 10 anos de idade, começou a tocar violão “de ouvido”, mas também atacou de guitarra, contrabaixo e bateria, escolhendo esta última como instrumento principal. Seguindo a paixão que desenvolveu pelo rock ao ouvir os Shadows e Beatles, e sendo encorajado por sua família onde a avó era cantora lírica e um avô materno maestro, o próximo passo era a esperada união a uma banda de rock. Morando em uma cidade com grande efervescência musical, Zeca esteve junto com os formadores do rock garageiro Paulista:
“Naquela ocasião havia bairros musicais. A Vila Mariana, onde nasci, era um deles. A Pompéia e Aclimação eram os outros. Os principais músicos saíram dessa região. Além dos Álamos da Vila Mariana/Praça da Árvore, havia os Lunáticos e o Les Celibataires, que posteriormente viraram os Clevers antes de finalmente adotaram o nome de Os Incríveis. No Colégio Liceu Pasteur, onde estudei, também estudavam Norival e a Rita Lee, entre outros. Também nessa região surgiram os Beatniks, formado por gente do Planalto Paulista, Vila Mariana e Pompéia (Marcio Margado, Lídio Benvenuti — o Nenê—, o Nino e o Bogô). Na Aclimação surgiram os Fenders e também era o bairro do Antônio Aguilar, pai dos conjuntos de Rock, que morava na Avenida do Cursino. Na Pompéia, na Rua Venâncio Aires moravam Arnaldo Batista e Sérgio Dias. O irmão mais velho dessa dupla, Cláudio César, era quem fabricava os instrumentos musicais de cordas mais modernos, tais como guitarras e contrabaixos. O irmão do Nenê, dos Incríveis, foi quem fabricou os primeiros distorcedores”.
Em 1962, Zeca integrou a banda Os Álamos em sua segunda formação, com Norival D´Angelo, Ricardo Martinez e Alcindo Maciel, o guitarrista conhecido como “Gato”. Posteriormente, tocou com os Beatniks, novamente com Norival. Nessa época, o guitarrista Gilberto Hadlich os apresentou a David Charles Odams, um inglês que tocava guitarra solo e era vocalista. Com afinidades musicais em comum, dentre elas a pouco conhecida (para ouvidos brasileiros de então) banda Yardbirds, começaram a ensaiar juntos. Logo Gilberto deixa a banda e entra a Americana Jocelyn Anne Odams nos vocais e maracas. Norival foi o próximo a deixar o grupo para se dedicar por completo aos Beatniks. Em 1966, Zeca assume definitivamente o posto de baterista e vocalista, quando entra para o grupo Alcindo Maciel, o “Gato”, tocando guitarra base e cantando. A princípio a banda adota o nome Hermit´s, mas provavelmente por conta da banda americana homônima, optaram por The Galaxies logo em seguida, em consenso com o produtor Roberto Corte Real.
Bons músicos e com contatos no meio musical, além de alguns shows nos clubes paulistas Círculo Militar, Pinheiros e principalmente no Club Inglês, também viajaram na caravana de Antônio Aguilar por todo o estado de São Paulo. A banda consegue tocar nos programas de TV Jovem Guarda de Roberto Carlos, Caravana do Amor de Antônio Aguilar, Almoço com as Estrelas da TV Tupi e no programa Barros de Alencar, todos com ótima recepção por parte do público, impressionados com a destreza musical e o inglês impecável da banda (raro naqueles idos). O repertório consistia em covers dos Beatles, Rolling Stones, Animals, Gerry and the Pacemakers, Hollies, Monkees, Elvis e Little Richards.
Em 1968, o produtor finalmente fez um convite para registrarem um LP na gravadora Som Maior, de São Paulo. As gravações levaram uma semana e foram realizadas em um estúdio na rua Basílio da Gama, região central de São Paulo. Na mesma época chegaram a dividir o estúdio com Gilberto Gil, que também gravava ali. Com o repertório já bem ensaiado e os arranjos definitivos, iniciaram a gravação em uma mesa de 4 canais, sob o comando do produtor José Scatena. Também contaram com o convidado, embora não creditado, Tuca (Carlos Eduardo Aun) então guitarrista do Baobás, que tocou em algumas faixas — embora Zeca só tenha certeza dele tocando em Orange Skies. Após uma semana de gravações, o disco foi mixado sem a participação da banda.
O equipamento usado consistia de Amplificador Tremendão, pedal T Reverb, bateria Gope, guitarras Giannini e Fender Stratocaster, baixo fabricado pelo Cláudio César Dias Baptista, pedal de distorção produzido pelo Benvenutti (irmão do Nenê, baixista da banda Os Incríveis) e uma câmara de eco Fender que pertencia ao David. “As sessões eram feitas praticamente ao vivo. Ou seja, todo mundo tocava junto. Havia separação da bateria. Depois se colocava voz, mas os backing vocals eram feitos ao vivo”.
A capa ficou a cargo da gravadora. Infelizmente não se sabe o número de cópias prensadas, mas estima-se algo em torno de apenas 500. É um álbum que dificilmente aparece a venda ou trocando de mãos, portando faz sentido crer nesta tiragem, ou até inferior! A gravadora Som Maior era pequena e com distribuição regional, o que fez com que o álbum praticamente desaparecesse e se constituísse em um dos mais raros LPs do gênero no Brasil.
Na sequência do LP a banda fez vários shows. Porém, no final do ano, Jocelyn e David, que eram casados, decidiram se mudar para a Inglaterra, pondo um fim inesperado ao grupo.
Com senso prático, Zeca Aquino, que já estudava direito, decidiu abandonar a carreira artística e se dedicar inteiramente a advocacia, tornando-se Desembargador em uma brilhante carreira. Alcindo, o Gato, faleceu em 1990. Já o paradeiro do casal Odams é desconhecido desde a mudança deles para a Inglaterra. Apesar das várias tentativas de contato que o Zeca Aquino fez ao longo dos anos e de nossas buscas, não tivemos sucesso em localizá-los.
Paralelamente à carreira de Desembargador, Zeca de Aquino retomou depois de 27 anos a carreira musical a pedido do Desembargador Sebastião Amorim, presidente da APAMAGIS (Associação Paulista de Magistrados), que sugeriu que mostrasse que juiz também era “gente”. Juntou-se ao antigo colega da época dos Beatniks, o baterista Norival Ricardo D’Angelo, da banda Rockfeller, que, segundo Zeca “me acompanha desde o primeiro grupo. Há 40 anos o empresto para o Rei…”.
Tendo a música hoje como uma terapia, Zeca Aquino faz gravações em prol de entidades beneficentes. Dedicado a Música Popular Brasileira e a Bossa Nova, gravou o CD Ao Vivo no Tom Jazz em prol da Associação Cruz Verde, de quem é Conselheiro. Essa entidade cuida de crianças com paralisia cerebral. Sem participação do governo, a associação tem um hospital com 120 leitos e Hospital-Dia para 10 crianças, que fica na Vila Clementino, em São Paulo. O segundo CD, Músicas de A a Zeca Aquino, também foi gravado para a Associação Cruz Verde. Já os CDs A Casa de Dom Inácio (I, II e III) e A Casa de Dom Inácio – O Tempo e o Vento, tem a renda é destinada à casa homônima localizada em Abadiânia – GO, dirigida pelo curandeiro João de Deus. Compositor prolífico, Zeca já teve músicas suas gravadas por Ivan Lins, Seu Jorge, Mauricio Manieri, Rappin Hood, Márcia Salomão, Lucila Novaes, Hot Club de Piracicaba, Traditional Jazz Band, JaQue, Vitória Maldonado, Rockfeller, Dorival, Edna Centurion e Lula Barbosa, que hoje é o seu principal parceiro, entre outros.
A Recordcollector e Selo180 gostariam de agradecer ao Zeca de Aquino por permitir que este projeto fosse realizado, dando acesso a seu acervo e suas memórias, e licenciando a reedição do LP bem como por trazer a luz do dia o inacreditável acetato de Hey!!!/Happy Together.
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The Galaxies também está na nossa playlist de lindezas lançadas em 1968: