Confira a arte de recriar paisagens através da música com a banda gaúcha + entrevista.
foto: Vinícius Angeli
Conheci a Soundlights bem ao acaso no final do ano passado e desde então suas experimentações e cintilâncias têm sido frequentes no meu radinho. Não é a toa que o som ‘Cintilar’ acabou abrindo nossa playlist Feliz Ano Psicodélico ✨🍾✨
pra quem ainda não ouviu, toma:
O projeto encabeçado pelo gaúcho Arthur Valandro foi originalmente concebido entre 2012 e 2015, durante sua estadia em Whale Pass no Alasca, um vilarejo de apenas 48 habitantes. O quase isolameno da civilização e a imersão na natureza foram influências cruciais na música do rapaz, que dois anos depois traduziria toda essa experiência no EP ‘Sons Que Vem Do Sítio’.
Através das 6 faixas desse EP super fluido e atmosférico, que foi todo gravado em casa e que contém samples da natureza captados pelo próprio Arthur, é perfeitamente possível conjurar imagens de montanhas, grama molhada, árvores ao vento e da tal da aurora boreal, que eu nunca vi mas ouvi dizer que é linda e emite um som sublime – inclusive adivinha só, o nome Soundlights vem dela mesma.
Enquanto prepara um próximo trabalho, que segundo Arthur terá uma mensagem mais clara e um propósito mais definido, a banda agora formada por André Garbini (Percussões / Bateria / Voz / Violão / Sintetizadores, Arthur Valandro (Guitarra / Voz / Sintetizadores), Bernard Simon (Guitarra / Voz / Sintetizadores), Gabriel Burin (Sintetizadores / Voz) e Juliano Lacerda (Sintetizadores / Baixo / Voz) segue numa turnê em parceria com o selo Tronco que tem passado por Sâo Paulo, Rio, Minas Gerais e Santa Catarina – cartaz com todas as datas e locais dos shows tá ali embaixo.
Aproveitando a passagem por SP, conversei com o Arthur sobre o rolé no Alasca, captação dos sons do sítio, turnêzinha e até cogumelos alucinógenos. Como chegamos nesse ponto? Descubra aqui & agora:
Arthur, conta pra gente um pouco do que foi esse rolé no Alasca e da criação da Soundlights.
Esse rolé no Alasca foi uma coisa bem aleatória. Eu tinha essa fantasia adolescente de sair de casa e ver o que rolava por aí. Daí quando tava no colégio acabei entrando num programa do governo americano pra estudar nos EUA, e fui aleatoriamente direcionado pro Alasca. Por coincidência acabou batendo com vários interesses meus, inclusive de literatura que têm essa conexão com a natureza, como “O Chamado Selvagem” de Jack London. Isso foi em 2012. Em 2015 voltei pra lá e no total fiquei lá por mais de um ano, e foi uma coisa bem intensa, uma experiência bem de imersão mesmo, porque era um vila de pescadores com 48 habitantes, não havia nenhuma forma de comércio além das trocas entre a comunidade, então foi bem doido, passei por coisas bem inesperadas… desde um alerta de tsunami até a aurora boreal, diversas coisas totalmente diferentes da realidade que a gente vive aqui. Foi ali que a música começou a me tocar de forma mais específica. Nessa época saiu o “Lonerism” do Tame Impala, que me fez entrar nessa onda da música psicodélica, juntamente com a experiência sensorial do Alasca, isso tudo acabou resultando na Soundlights como tentativa de traduzir musicalmente essa experiência de estar num local totalmente isolado.
Esse lance de recriar paisagens através da música sempre me remete a bandas islandesas como a múm e a Sigur Rós. Você diria que elas são influências para o seu trabalho? Quem mais você citaria como referências sonoras
Bah! Com certeza! Tem aquele documentário do Sigur Ros, o “Heima” onde eles passam por vários lugares da Islândia, e ele sempre me tocou de forma bem intensa assim, tem toda uma questão da sonoridade conversar com o ambiente. Tem um trecho onde eles vão fazer a faixa “Vaka” e tava um vendaval, daí eles começam a tocar e o vento pára, parece que eles estão conversando com o ambiente de uma forma mágica até. Todo meu trabalho tem bastante influência dessas bandas mais etéreas, que ouvi bastante durante a viagem do Alasca. Junto com esses sons mais aéreos acho que tenho influência da música psicodélica também, Tame Impala, Youth Lagoon, e daqui Boogarins que na sequência tava lançando o “As Plantas Que Curam”. Também teve muita coisa da cena local daqui do sul que me inspirou a seguir com o projeto, como Catavento e Supervão, galera que tem essa vibe mais experimental, uma coisa mais de desconstrução do que seria a música, uma expressão mais legítima das experiências.
escute o Sons Que Vêm do Sítio:
Desde a primeira vez que ouvi o ‘Sons Que Vêm do Sítio’ no ano passado me encantei pela forma orgânica das músicas. Mais tarde descobri que os sons de natureza foram realmente gravados por você num sítio. Como foi esse processo?
Então, eu já havia extraído algumas sonoridades do ambiente lá no Alasca, mas isso se sistematizou de forma mais profunda através do EP. O sítio é um espaço de um amigo meu aqui na Serra Gaúcha, no interior de Canela, e fica no topo de uma montanha, então é um lugar que tem mudanças absurdas assim de clima, e tu vê processos acontecendo ao vivo, em questão de minutos. A ação da natureza fica muito clara e visível nesse lugar, e os sons de lá me cativaram de um modo supernatural. No sítio também tem muitas espécies de cogumelos, e como eu estava pesquisando acerca de cogumelos alucinógenos para o meu TCC de Psicologia, acabei tendo algumas experiências por lá. Então o EP é uma forma de expressão de tudo isso. O que eu fiz foi gravar sons das árvores, vento,… tudo bem orgânico mesmo, com um microfone condensador, e depois fui sampleando, basicamente foi isso.
Indo além da música e aproveitando esse assunto dos cogumelos alucinógenos, ando bem interessada nos estudos de tratamentos com psicodélicos, inclusive assisti recentemente a uma palestra sobre o projeto “MDMA no Consultório” com o neurocientista brasileiro Eduardo Shenberg. Acabei de ver sua pesquisa sobre a psilocibina como recurso terapêutico para a depressão e achei interessantíssima. Conta pra gente como foi a escolha desse tema e como você vê esse processo de desmarginalização das drogas psicodélicas.
Então! Acho que a música sempre foi bastante atrelada às experiências subjetivas que ela poderia proporcionar pra mim. Nesse sentido, as sutilezas de “estados de consciência” diversos promovidos pelo que quer que fosse, seja sonhos lúcidos ou imersões na natureza, sempre foram alvo da minha atenção. O lance de pensar sobre a possibilidade de uma planta que cresce por aí naturalmente me levar a espaços mentais tão cheios de significado pessoal foi um boom absurdo. Minha escolha de me formar em psicologia teve bastante influência dessa busca por experiências amplas e profundas. Pra além das teorias e sistemas através dos quais a nossa psicologia vê a realidade, quis sacar o como as pessoas se definem e qual é a experiência que elas têm da vida, em um nível mais fenomenológico. O teto promovido pelos psicodélicos concebe um campo vasto de compreensão do ser humano que, por mais que tenha sido alvo de muita pesquisa pelos anos 50 e 60, teve um hiato de mais de 25 anos de pesquisa causado pela proibição dessa classe de drogas. Vejo a oportunidade de pesquisar na academia e falar sobre esse tipo de tema como muito importante na sociedade atual. Existem dados fantásticos que associam o uso dessas substâncias, por exemplo, a uma maior abertura das pessoas a experiências, modificando traços de personalidade e flexibilizando visões de mundo autoritárias. O MDMA que você citou, por exemplo, tem uma validade já estabelecida pro tratamento de diversas psicopatologias, como o transtorno de estresse pós-traumático. A psilocibina, dos cogumelos psicoativos, promove experiências de ressignificação de memórias e reconexão consigo e com o mundo que demonstram gerar mudanças comportamentais e cognitivas duradouras. É um universo ainda pouquíssimo explorado pela ciência e que tem, sem sombra de dúvidas, muito a nos mostrar. Enquanto isso, sigo tentando passar as mensagens que me surgem e representar esse universo através da música. Quanto à temática das drogas na sociedade, a desmarginalização é o passo mais lógico pro devido tratamento dessas substâncias. É bastante evidente na literatura que é uma questão de saúde acima de tudo e que nenhuma política de repressão vai ser efetiva de qualquer modo. Mas, enfim, gosto bastante de falar sobre o tema! Quem quiser, só me chamar que trocamos uma ideia longa.
pra quem se interessar pelo assunto, contei um pouco sobre a palestra no post sobre o Festival Picnik em Brasília
Pra fechar: o que a galera que ainda não viu os shows pode esperar dessa turnê?
Essa turnê tá uma loucura porque aconteceu num momento bem conturbado pra mim, com TCC e funções que exerço dentro da Psicologia, que tento intercalar ao máximo com a música, e esse período que tiramos pra viagem foi o que bateu pra todo mundo. Mas acho que estamos num momento bem maduro, em termos de sonoridades ao vivo. Muito do que pode-se esperar dos shows dá pra enxergar através da live que acabamos de lançar, com uma versão diferente da música. Além disso vamos levar projeções e queremos proporcionar uma experiência sensorial, de desconstrução interna e de conexão, acho que isso é o principal.
confira a live no Casona vai ao Sítio:
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