1968 foi o ano em que a vibe peace & love construída no decorrer da década de 60 passou a dar sinais de desgaste. Com um verão que trouxe mais sutiãs (figuradamente) queimados do que flores, o ano foi marcado por protestos, revoluções, assassinatos e guerra.
Musicalmente, porém, 68 foi tão produtivo quanto seu antecessor – o que ficará bem claro no passeio 1968 EM 50 DISCOS que hoje celebra os 50 anos de uma das maiores obras-primas já produzidas pela humanidade:
Álbum: ‘The Kinks Are the Village Green Preservation Society’
Artista: The Kinks
Gravadora: Pye Records
País: Inglaterra
Lançamento: 22 de Novembro de 1968
por Joyce Guillarducci
Li certa vez um texto sobre The Kinks na Rolling Stone onde o jornalista Paul William dizia que ouvir cada música deles era como fazer um novo amigo, e essa pra mim é a melhor definição ever. O Ray Davies de 68 é uma das (poucas) pessoas para as quais eu realmente gostaria de poder telefonar na madrugada e trocar uma ideia sobre geleias de morango e todas as diferentes variedades que compõem o Village Green Preservation Society.
O sexto disco dos Kinks e último com a formação original (Ray Davies, Dave Davies, Pete Quaife e Mick Avory) é um daqueles que sempre me fazem sorrir. Isso porque tudo nesse disco soa familiar, nostálgico, próximo e cada vez que escuto-o me relaciono mais com seus personagens: o velho Walter de ‘Do You Remember Walter?’ é meu antigo amigo da escola; o rapaz que conquista a Daisy em ‘Village Green’ é o menino do mercadinho ao lado da casa onde cresci; o ‘Johnny Thunder’ é o Marlon Brando em O Selvagem, mas bem poderia ser o rebelde sem causa do colégio onde estudei (god bless Johnny!), e por aí vai…
Como não poderia deixar de ser, o Village Green também traz suas boas doses de ironia – afinal, estamos falando de uma obra de Ray Davies aqui. Gosto especialmente da forma “amigável” e bem humorada com a qual ele faz isso, que fica claro em faixas como ‘Big Sky’ e a crítica às pessoas sempre tão ocupadas consigo mesmas, além de ‘Picture Book’ e ‘People Take Pictures of Each Other’ – que hoje poderia ser “people POST pictures of each other”, hehe.
Multifacetados que são, aqui o quarteto também mostra seu pézinho no blues com ‘Last of the Steam-Powered Trains’ que foi inspirada por ‘Smokestack Lightnin’ de Howlin’ Wolf, além de trazer um pouco da onda lúdica e escapista que dominou o ‘Something Else’ no ano anterior com as faixas ‘Sitting By The River Side’ e ‘Phenomenal Cat’, dois dos exemplares mais próximos da psicodelia que um som dos Kinks pode chegar.
Musicalmente diria que esse é um dos trabalhos mais ousados do quarteto. Trocando os marcantes riffs de Dave Davies por experimentos com mellotrons, cravos e afins, eles nos oferecem aqui uma sonoridade bem mais diversa e “colorida” – cara esse é realmente o disco psicodélico dos Kinks.
Enfim, cada vez que escutar esse disco vou lembrar de algo mais que deveria ter mencionado aqui, então vamos deixar como está. Até porque pensando nos fãs sem limites (oooi!) esse ano a Sanctuary Records lançou uma edição especial de 50 anos com APENAS 60 faixas, dentre as quais destaco a inédita ‘Time Song’, a orquestrada ‘Village Green Overture’ e a barroca ‘Berkeley Mews’ que é uma de minhas favoritas de todos os tempos e demorou 50 anos para finalmente aparecer num disco. A Village Green é o subúrbio dos irmãos Davies mas também é nossa casa, basta entrar.