Impressões sobre o festival + entrevista com Joe Silhueta + playlist.
Foram apenas 3 dias em Uberlândia mas rolou tanta coisa nessa primeira edição do Festival Cena Cerrado que tá difícl de resumir aqui. Antes de tudo deixa eu já dizer que achei toda a iniciativa foda demais, nossa produção musical independente anda à toda e é sempre lindo ver a galera se movimentando e se unindo pra fazer a cena acontecer. Palmas para todos que contribuíram com esse festival, e pra quem anda dizendo que o rock morreu no Brasil, fica aqui meu mais sincero emoji de dinossauro ?
Mencionei o rock mas serve pra tudo, e um aspecto bem legal do festival foi não se limitar e abrir espaço para estilos diversos. Então, vamos lá: meu primeiro contato com todo esse rolé foi através do Arthur Rodrigues, baterista da Cachalote Fuzz (que conheci ano passado enquanto montava a playlist Feliz Ano Psicodélico) e produtor cultural no Cena Cerrado. Pra quem não sabe, o Cena Cerrado nasceu em 2014 como um grupo independente composto por músicos e artistas do triângulo mineiro com objetivo de fomentar a cena artística da região. Promovendo diversos eventos desde então, no final de 2015 a iniciativa gerou o selo Cena Cerrado Discos.
E daí que agora em 2018 a galera resolveu levar o projeto um passo além, e daí surgiu esse festival que durante 7 dias se espalhou por Uberlândia em eventos gratuitos promovendo mesas de discussão, workshops, e trazendo uma programação musical de peso e super variada para showcases em casas noturnas e palcos ao ar livre em espaços públicos da cidade.
Cheguei na quarta-feira, 3º dia de atividades e infelizmente não consegui pegar o workshop sobre produção de videoclipes com o produtor audiovisual Jozé Vitor Araújo e o Rafael Chioccarello, editor do Hits Perdidos – tudo bem que com o Rafa eu converso todo o tempo por aqui né. A convite do Arthur fui participar da mesa sobre mulheres na cena independente, e foi bem interessante ouvir as histórias, perspectivas e pontos de vista de mulheres com realidades e experiências diversas dentro da cena – de pessoas da plateia, da Sofia que faz parte do Cena Cerrado, da Amanda Bredariol da Triluna, produtora que busca apoiar e aumentar o protagonismo feminio na cena musical mineira, e da Andréa Felix e seu trabalho maravilhoso com o coletivo de rap e hip hop DMG – Das Minas Gerais, que em apenas 1 ano de existência já percorreu o Brasil com seu ativismo feminista em forma de rimas. Food for thought para a vida.
Prestenção & respeita as minas fazendo o favor:
Abrindo a programação musical numa noite regada à pinga de canela (eu te amo canelinha), na quinta-feira teve a dupla mineira Waldi & Redson levando seu sertanejo junkie para o palco do Vinil Cultura Bar numa apresentação bem descontraída e divertida – pra quem tá de cabeça aberta para uma nova sonoridade, recomendo ouvir o ‘Minha Vida Empazinada’ (2018):
Na sequência conferimos a intensidade dos expoentes da cena grogue de Brasília, o septeto Joe Silhueta, em um dos melhores shows que vi esse ano. Já havia assistido aqui em São Paulo a Rios Voadores que compartilha alguns integrantes da banda, então estava ciente do quão performática a Gaivota Naves é no palco (e na vida), mas ver um artista se entregar de corpo e alma à música dessa forma é sempre uma experiência única, e esse show me deixou arrepiada. Quero a Joe Silhueta nos palcos de SP, nas festas do Cansei e em todo lugar.
Depois de todos quase recuperados desse show, bati um papo com o Guilherme Cobelo e a Gaivota Naves sobre o movimento grogue, cena brasiliense, próximos trabalhos da Joe e outras coisas, confiram:
Nos falem mais sobre o movimento grogue.
Gaivota: Não chega a ser um movimento organizado, que tenha um manifesto e tal. É uma união de várias pessoas que se deixam envolver com a arte do outro e com a própria arte e fluir junto, além da música. O Guilherme mesmo, é um poeta cabuloso, grande escritor, começou até com a mitologia grogue que eram teorizações malucas de várias dinâmicas.
Guilherme: Essa mitologia partiu da palavra grogue, fazendo uma brincadeira com a mitologia grega. A mitologia grogue seria a mitologia desses seres meio bêbados, meio entorpecidos que vagam entre o sono e a vigília e se permitem serem eles mesmos e os outros, e o movimento grogue tem um pouco disso, de sermos todos juntos, simbióticos, assumir que atravessamos uns aos outros e nos comunicamos. E isso se reflete muito na nossa música, pelo fato da Joe Silhueta ser várias bandas em uma só. É meio que uma polaroide da nossa época, da nossa geração. É a contracultura de Brasília, que é uma cidade toda arquitetada, as pessoas saem de casa com objetivos definidos, e a gente é muito mais a favor de se perder e se encontrar nos caminhos, nos desvios, no acaso.
E essa mitologia grogue conseguimos encontrar em algum lugar?
Guilherme: Ela ainda está sendo escrita, é missão pra 2018 fechá-la, dar uma diagramada. Até tem uns livretinhos que nós fomos lançando: ‘As Cartas do Abismo’, alguns contos baseados em sonhos e tal, mas a mitologia está sendo finalizada. Eu queria inclusive que saísse junto com o disco ‘Trilhas do Sol’ pra complementar a música.
A música ‘Hora Gagá’ é uma crítica à lei do silêncio e à censura. Queria saber como andam esses aspectos da cena brasiliense.
Gaivota: É muito doido porque é inversamente proporcional: as casas todas fechando por conta da lei do silêncio, e a quantidade de bandas incríveis com uma qualidade sonora surreal acontecendo. A cena independente de Brasília tem muita música instrumental, rock rural, punk, choro, jazz. A produção tá efervescente e é meio difícil não ter espaço, então rolou essa música que é uma crítica bem humorada tipo “cara, que a gente faz com isso tudo?” Parece que em Brasília a galera tem uma alergia à música. O que a galera fazia antes era colocar um som na rua, assim na marra, mas também foi apertando cada vez mais e daí fica arriscado perder equipamentos e tal. Mas tem coisas legais rolando, como o Picnik e o Coma, que voltam a atenção pra produção musical de lá, e acho que a galera tem sobrevivido um pouco disso.
Guilherme: É uma cidade muito burocratizada também. As pessoas que estão lá são burocratas e velhas e veem com essa mentalidade de que é uma cidade dormitório, do sono dos justos. Você dorme cedo e acorda cedo, e a madrugada vira um espaço dos marginais. Os espaços para música autoral diminuem a cada dia, e o que vai sobrando tem uma cultura muito de cover.
‘Hora Gagá’ na Fumarte Sessions:
Aproveitando que estamos falando da cena de Brasília, vocês me falaram da Transquarto que é a banda do Tarso né. Nos indiquem mais bandas de lá.
Gaivota e Guilherme: Olha, tem muita coisa: Transquarto, Vintage Vantage, Passo Largo, Rios Voadores que tá começando a gravar agora também e vai lançar coisa nova ano que vem, tem a Palamar que é uma banda nova, Tertulia na Lua, Oxy, Supervibe, Judas, Bilis Negra, Aiure, Consuelo… tá muito legal porque tem uma galera mais coroa, tem a gente que tá no meio, tem gente mais nova… a cena tá realmente acontecendo.
Indicação de playlist do Mapa do Rock Popload com alguns nomes da nova cena brasiliense:
Agora para a Gaivota: durante o festival tivemos uma mesa de conversa sobre o papel da mulher na cena independente, daí queria saber de você como musicista, como você vê o momento atual para as mulheres na cena?
Tenho visto várias garotas realmente tomando coragem e botando seus projetos pra fora da gaveta. Hoje em dia com a facilidade dessa coisa do home studio a galera tá gravando mesmo, e é lindo ver garotas encabeçando projetos, batendo o pé, falando o que quer, e daí rola essa possibilidade de ter um pouco de voz, e de impor um pouco de respeito através da música. Não é uma vitória ainda, mas acho que a gente tá num caminho bacana pra conseguir mais espaço mesmo como ser humano, parar com essa nóia de gênero.
Última pergunta: em julho vocês vão lançar o ‘Trilhas do Sol’. O que podemos esperar desse disco?
Guilherme: Ontem mesmo a gente tava analisando que o nosso 1º EP é totalmente diferente do 2º, que é totalmente diferente do último single, então acho que esse disco agora terá uma identidade, as músicas dialogam entre si. Eu jogaria mais num caldeirão de influências e ritmos brasileiros, desde baião passando pelo cateretê, axé, cantiga. Vai ter coisas que a gente já vinha desenvolvendo nos outros discos, e menos dylanesco. Pode-se dizer que vai ser um disco psicodélico, porque a gente transita mesmo nesse caminho de expandir os sentidos da música através de efeitos, da poesia, da estrutura da música mesmo, não são músicas muito lineares. E a gente também buscou desenvolver um conceito nele de uma maneira, embora não seja um disco conceitual, mas as trilhas do sol seriam esse trajeto da noite até o amanhecer, tomado metaforicamente também como o percurso do ser imerso nessas trevas que a gente tá vivendo. É meio que esse caminho submergindo na noite até a aurora.
Gaivota: E esse disco tá muito a nossa cara mesmo por conta dessa mistura doida de pinceladas brasileiras, porque cada um vem de um canto e quando junta dá esse hibridismo sonoro, sempre nessa puxada brasileira. A gente vê que no rock a galera fica muito na chupação de pau gringo – tudo bem quem quiser fazer, mas o nosso negócio é uma coisa meio tropicalhorda mesmo.
Ouça Joe Silhueta:
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Sexta-feira 13, amanhecemos na rua (hehe), descanso durante o dia pra poder acompanhar os shows da primeira noite de festival a céu aberto. E que shows! O surf punk do trio uberlandês Light Strucks abriu a invasão do espaço público da Praça de Tecelagem. Cheguei no final da apresentação mas deu pra sentir a vibe, e a banda tá agora na minha lista de shows para ver completinhos – inclusive inclui o som ‘Sábado Violento’ deles no meu set e já mandei na discoteca de quarta-feira no Ovelha Negra Pub (esqueci de contar que teve isso também).
Em seguida foi a vez do punk rock pneumoconiósico (ou algo assim) da também mineira Pulmão Negro que já chegou arrastando a galera pro bate cabeça – conferi de longe porque sou profissional em me acidentar sabe. Mas foi visceral e deu pra ver que uma galera tava ali pra curtir com eles.
Fechando a sexta-feira rolou a abdução psicodélica do quarteto gaúcho Apicultores Clandestinos. Devidamente trajados de macacões brancos, com guitarras afiadas, teremim e um baixo Hofner a la Paul McCartney que sempre me deixa meio hipnotizada, os apicultores distribuíram pinga com mel e muito fuzz fazendo a galera pirar – até quem viu os 15 segundinhos dos meus stories veio perguntar quem eram os caras. Show que recomendo muitíssimo, mas enquanto não rola vale conferi-los no ‘Astronauta do Campo’ (2015):
Sábado 14, amanhecemos na rua (de novo, hehe), precisei correr para Sâo Paulo porque tinha evento do Cansei e não deu pra conferir os shows da Gabriela Deptulski (ES), FingerFingerrr (SP), Sick (MG), The Virginias (MG) (substituindo a Maria Augusta que teve que cancelar a participação), Medulla (RJ), Tagore (PE), Cachalote Fuzz (MG), Canábicos (MG), Vaine & Kainã Bragiola (MG) e Santa Pipe (MG) UFA! Não faz mal, teremos outras oportunidades.
Pretendo voltar para próximas edições desse festival e do que mais rolar, e recomendo bastante para quem tiver oportunidade – Uberlândia é uma cidade muito receptiva e “educadinha”, além de super em conta: pastelzinho a R$2,50, caneca de chopp artesanal a R$10, garrafa da amada canelinha a R$12 – EU VOU É MORAR LÁ! rs.
Agora chega que já cansei. Deixo aqui a playlist do festival – escutem esse trem e vida longa ao Cena Cerrado!