Comentado por Malcom Fernandes do Discos Indispensáveis Para Ouvir.
1968 foi o ano em que a vibe peace & love construída no decorrer da década de 60 passou a dar sinais de desgaste. Com um verão que trouxe mais sutiãs (figuradamente) queimados do que flores, o ano foi marcado por protestos, revoluções, assassinatos e guerra.
Musicalmente, porém, 68 foi tão produtivo quanto seu antecessor – o que ficará bem claro no passeio 1968 EM 50 DISCOS que hoje tá bem swingado com essa indicação do Malcom Fernandes do blog Discos Indispensáveis Para Ouvir:
Álbum: ‘Alegria Alegria 2 ou Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga’
Artista: Wilson Simonal
Gravadora: Odeon
País: Brasil
Lançamento: 1968
por Malcom Fernandes
Estamos em 1968 e vemos o desabrochar da flor soul no Brasil. Mesmo que só por volta de 1970 a gente tivesse a grande explosão mesmo com o V FIC destacando nomes como Dom Salvador, Toni Tornado, Erlon Chaves e também com o lançamento do primeiro álbum de Tim Maia, o soul brasileiro já tinha seus 3 grandes representantes: Jair Rodrigues – considerado intérprete do primeiro rap brasileiro (aka “Deixa Isso Pra Lá”), o próprio Jorge Ben (que estava se juntando aos tropicalistas naquele momento) e também o grande fenômeno Wilson Simonal.
Vindo de uma geração de cantores que interpretavam bossa nova e algumas coisas de jazz e samba-canção, o rapaz crioulo filho de uma cozinheira e de um radiotécnico, Wilson Simonal de Castro suou a camisa para se tornar o astro pop negro num país cheio de racismo e preconceitos em plena era militar ainda nos anos 1960. De revelação do “Clube do Rock” apresentado por um sujeito gorducho chamado Carlos Imperial, que o aclamou como “o Harry Bellafonte brasilero” de instante, ao Beco das Garrafas, onde ali conheceu e se encontrou com nomes como Elis Regina, Sérgio Mendes, e depois vindo a se apresentar pela Colômbia ao lado da dançarina Marly Tavares e do grupo Bossa 3 durante quarenta dias no final de 1964, em um espetáculo de Miéle e Bôscoli, os cabeças visionários do showbiz brasileiro.
Fazia programas musicais na TV Tupi, mas quando ele não quis renovar, foi para a Record (muito antes dos tele-evangelistas, a emissora já teve uma programação rica em conteúdos e shows até) e por ali se consagrou fazendo parte da trupe do programa “O Fino da Bossa) ao lado de Elis Regina e Jair Rodrigues, e depois apresentando um programa solo chamado “Show em Si…Monal” um fenômeno de audiência. Wilson já era um grande vendedor de discos na Odeon – onde gravou compactos em 1961 quando se lançou, selo musical aonde lançou diversos sucessos, e seus discos eram disputados e desejados, chegando a superar um jovem capixaba e velho conhecido de “Clube do Rock” que estava começando, um tal de Roberto Carlos aí. Bateu ponto em diversos festivais, no III Festival da MPB de 1967 interpretou “Belinha” de Toquinho, que entrou para o seu álbum “Alegria, Alegria!!” o primeiro de quatro discos.
Esse disco que vou apresentar é o maior trabalho de sua carreira. Ele é o segundo volume e têm o subtítulo de “Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga” – bem bizarro, mas era uma das filosofias da pilantragem, um tipo de vertente da bossa e um movimento criado por ele e seu aliado Imperial – que havia sido acusado por abuso de menores naqueles tempos.
O disco é rico em conteúdo musical e poético – também, com o Som 3 fazendo as bases, trio de jazz do qual fazia parte César Camargo Mariano, arranjador e diretor musical de seus discos, e às vezes tendo o amigo Erlon Chaves fazendo arranjos de metais, nada podia ser pior. O disco já abre bem com o megahit “Sá Marina” de arranjos belíssimos e que depois ganhou o mundo com as versões de Mendes e Stevie Wonder (em inglês, converteu-se “Pretty World”). Ainda temos um sambalanço suingado, intitulado “Cai Cai” (tema gravado antes por Carmen Miranda) tendo um orgãozinho viajante e um trombone mandando ver. Além de um tema clássico chamado “Manias” standard dos nossos, uma zombação com os militares (é isso mesmo, produção?!) em “Neste Mesmo Lugar”. Mas sobra suingue também para “Zazueira” de Jorge Ben e que ganhou uma boa interpretação. Temos também esse primor do soul de Simona em “De Como Um Garoto Apaixonado Perdoou Por Causa de um dos Mandamentos” que traz uma combinação poético-musical forte, além de uma regravação de “Paraíba” composta nos anos 40 por Luiz Gonzaga trazendo uma vibe samba-soul com influências de música caribenha e uma composição de (quem diria, hein?!) seu confrade Pelé intitulada “Gosto Tanto de Você” carregada de romantismo, e o então astro do Santos até que se salvou como compositor. Fechando com “Vamos S’imbora” baseado no seu programa e cujo o nome “S’imbora” já havia aparecido em um álbum de 1965 e depois no musical baseado na história do cantor, protagonizada por Ícaro Silva em 2015, é o aviso de que o baile já acabou, mas que ainda tem mais. E isso se concretizou nos dois volumes seguintes. E vamos s’imbora pra um baile black e ouvir alguma pérola dessa fase de Simonal curtir numa boa, é no meu ver, um disco essencial para quem curte soul, black, bossa e pilantragem (rêrêrê) do estilo que ele e Imperial adoram fazer. OBS: Na única reedição em CD até hoje (presente em um box com toda a obra na Odeon de 61 a 71), o álbum conta com uma faixa bônus, uma versão suave e com um toque pilantra para o hit da jovem guarda “Namoradinha de um Amigo Meu” do Roberto, com suavidade na voz de Simonal.
Faixas (15 a 26 da compilação no Spotify):
1. Sá Marina
2. Cai Cai
3. Manias
4. Recruta Biruta
5. Neste mesmo lugar
6. Zazueira
7. Não tenho lágrimas
8. De Como Um Garoto Apaixonado Perdoou Por Causa de um dos Mandamentos
9. Cartão de Visita
10. Paraíba
11. Gosto Tanto de Você
12. Vamos Simbora