Comentado por Fabio Martins do Tocando Lá em Casa.
O ano de 1967 foi um dos mais significativos para a música mundial. A ascensão hippie, the summer of love e a consagração da psicodelia foram pontos cruciais no curso da história do rock’n roll, da música pop, country, folk, soul e do acid rock. E como eu amo os anos 60, não poderia deixar de prestigiar o meio século desse ano tão importante. Para isso, criei a coluna 1967 EM 50 DISCOS, onde semanalmente comentaremos álbuns lançados nesse ano.
Hoje a coluna tá bluesera total sob o comando do Fabio Martins do Tocando Lá em Casa, ó lá:
Álbum: ‘Born Under a Bad Sign’
Gravadora: Stax Records
Artista: Albert King
Lançamento: Agosto de 1967
por Fabio Martins
Meu interesse pelo blues surgiu quando eu tinha 15 anos e assisti a um show do Stevie Ray Vaughan pela TV. Fiquei impressionado com a técnica e o feeling, com a desenvoltura com que ele tocava. A partir daí, comecei a pesquisar sobre blueseiros como Eric Clapton, B.B. King e Buddy Guy e a descobrir que muitos dos “rocks” que eu curtia eram “blues”. Por exemplo, “You shook me” e “I can’t quit you baby” do primeiro disco do Led Zeppelin, lançado em 1969, eram músicas de Willie Dixon. “Before you accuse me” que eu escutava sem parar no disco Cosmo’s Factory, 1970, do Creedence Clearwater Revival era uma música de Bo Diddley, que também foi gravada por Clapton. “Love in vain” do disco Let it Bleed, 1969, dos Rolling Stones era uma música de Robert Johnson. E foi assim que comecei a voltar no tempo e cheguei a Muddy Waters, Willie Dixon, Howlin’ Wolf, Robert Johnson… e até hoje estou descobrindo blueseiros que influenciaram as minhas bandas de rock preferidas. Foi em uma dessas viagens que descobri Albert King, um dos pioneiros do blues elétrico (com guitarra) e uma das principais influências de Clapton e Vaughan.
Albert King nasceu em 25 de abril de 1923 em Indianola, Mississippi. Sua infância, como a de muitos garotos negros daquela época e região, se dividiu entre as plantações de algodão e a música gospel. Aprendeu a tocar sozinho e encontrou no blues uma oportunidade. Depois de anos alternando a música com empregos diurnos, gravou “Don’t throw your love on me so strong”, em 1961, e seu nome tornou-se conhecido. Mas foi em 1967, quando lançou seu segundo álbum, Born under a bad sign, o primeiro pela gravadora Stax Records, que Albert se consolidou como um dos três reis do blues ao lado de B.B. e Freddie King. No ano seguinte, ele foi convidado para abrir os shows de Jimi Hendrix e John Mayall’s Bluesbreakers no Fillmore West, San Francisco, e todos descobriram a origem da pegada blueseira de Hendrix e Mayall.
O disco Born under a bad sign se tornou um dos discos mais importantes do final dos anos 60 não só por trazer as diferentes nuances do blues em músicas com arranjos bem construídos e incluindo metais, mas também, e principalmente, por apresentar todo o potencial e a versatilidade de King como cantor e guitarrista, mostrando sua habilidade de mesclar feeling e técnica. No disco, o bluseiro canhoto abusa dos bends nos solos e licks tocados com sua Gibson Flying V invertida (com as cordas mais grossas embaixo), que se tornaram sua marca e viraram referência para guitarristas como Clapton, Hendrix e Vaughan.
“Born under a bad sign” está para Albert King assim como “The thrill is gone” está para B.B. King. A música, que deu origem ao nome do disco e à capa icônica e bem humorada (apesar de conter símbolos do mau agouro e superstições), virou um hino do blues. A estrutura de “Born under a bad sign” é conduzida pelo groove da batera (Al Jackson Jr.), do baixo (Donald “Druck” Dunn) e do piano (Booker T. Jones), enquanto Albert King canta e acrescenta pitadas de licks de guitarra. Os metais de Packy Axton , Wayne Jackson e Joe Arnold são a cereja do bolo entrando em momentos oportunos. A letra mostra todo sofrimento e lamentação característicos do blues: “If it wasn’t for bad luck I wouldn’t have no luck at all”
“Crosscut saw” tem uma levada empolgante bem marcada pelos metais com licks cortantes de King. Clapton gravou essa música em seu álbum Money and Cigarettes de 1983 e a tocou nos shows durante muitos anos.
“Kansas city” é um rhythm and blues com as tradicionais paradinhas e marcações dos metais. A versão de “Sweet home Chicago” do filme The Blues Brothers, 1980, lembra muito essa música. Na mesma onda seguem “The hunter” e “Down don’t bother me”.
“Oh, pretty woman” é mais uma música com groove marcante e licks de guitarra na medida. Há boatos de que o solo de Clapton na música “Strange brew”, do disco Disraeli Gears do Cream, é uma cópia do solo de King em “Oh, pretty woman”. (Vale a pena conferir!)
O disco traz ainda três típicos slow blues arrebatadores: “Personal manager”, “Laundromat blues” e “As the years go passing by”. Ao escutar os bends de King nos solos sofridos dessas músicas, é impossível não lembrar de Vaughan. (Pra você entender melhor a forte ligação entre esses dois blueseiros, vale assistir ao Albert King with Stevie Ray Vaughan in Session gravado ao vivo para a TV, em 1983, no Canadá. Vaughan com 29 e King com 60 se divertem intercalando músicas de ambos. Um dos maiores encontros da história do blues!)
“Almost lost my mind” e “The very thought of you” mostram a versatilidade de King em sua voz encorpada e aveludada com uma pegada soul.
Em 1998, a Sundazed Music relançou o disco com duas faixas bônus instrumentais “Funk-shun” e “Overall junction”, apenas em vinil, compostas por Albert King.
Escutar Born under a bad sign é mais do que entender o sentimento e as nuances do blues: é entender como o blues influenciou e continua influenciando o rock. Se ainda não conhece o disco, escute-o agora… ou sete anos de azar pra você!!!