Comentado por João Rocchetti da banda Vitreaux.
O ano de 1967 foi um dos mais significativos para a música mundial. A ascensão hippie, the summer of love e a consagração da psicodelia foram pontos cruciais no curso da história do rock’n roll, da música pop, country, folk, soul e do acid rock. E como eu amo os anos 60, não poderia deixar de prestigiar o meio século desse ano tão importante. Para isso, criei a coluna 1967 EM 50 DISCOS, onde semanalmente comentaremos álbuns lançados nesse ano.
O segundo convidado dessa semana é o João Rocchetti da banda Vitreaux dissecando esse discaço do The Who, que completa 50 aninhos hoje mesmo! Vai lá Johnny ?
Álbum: ‘The Who Sell Out’
Gravadora: Track (UK) / Decca (EUA)
Artista: The Who
Lançamento: 15 de Dezembro de 1967
por João Rocchetti
Pop-art, pós-mod, psychedelia.
Poucos álbuns reuniram estéticas e estilos de vida tão interessantes e diversos como o terceiro álbum do The Who, o The Who Sell Out. Passada a “fase mod” da banda, Pete Townshend, que, então, dava sinais de protagonismo criativo no quarteto, ansiava por alçar novos vôos com o Who e, por fim, resolveu juntar a Pop Art, sua maior obsessão dos tempos de art school, com a imagem e o som da banda. Como?
As ideias iniciais de Townshend e de seu inestimável amigo Richard Barnes, quem cunhou o nome da banda, eram a de inserir, dentre as músicas do álbum, pequenos jingles comerciais que representassem os signos massificados da publicidade da época e fazer o álbum soar como se fosse uma transmissão de rádio-pirata. A própria banda produziu alguns desses jingles, a exemplo da divertidíssima propaganda das cordas Rotosound, as preferidas de John Entwistle à época, ou da singela vinheta que fizeram para a Premier Drums, marca de baterias favorita do já insano Keith Moon (que adorava tocá-las e destruí-las depois)… Outros jingles foram sampleados pela banda, como a vinheta da rádio-pirata Wonderful
Radio London.
O álbum carrega uma alta dose de psicodelia em pelo menos três faixas: “Armenia City in the Sky”, faixa que abre o disco, recheada de frases de guitarra e trompete invertidas; também na espetacular “I Can See For Miles”, uma das mais impactantes do álbum, e em “Relax”, com suas referências turn-on and tune-in. O brilhantismo de Townshend também fica evidente em composições com um novo nível de sofisticação melódica e harmônica para o repertório do Who, como “Tattoo” e “Our Love Was”.
A primeira narra a história de dois irmãos em pleno auge da adolescência, que, de modo ambíguo e misterioso, encaram os traços de suas primeiras tatuagens como uma forma de ingresso à vida adulta. Destacam-se brilhantes arpeggios de guitarra de Townshend e a melodiosa voz de Roger Daltrey.
A segunda é um hino à regeneração de um relacionamento frustrado e carrega altas doses de euforia romântica, soando extremamente bonita e elegante. A música modula um tom para cima e, então, entra em cena a majestosa trompa de Entwistle, a mágica acontece e Townshend canta, em tom arrebatador: “Our love was flying/Our love was soaring/Our love was shining/Like a summer morning”… Um dos refrães mais bonitos de 1967.
“Mary Anne with the Shaky Hand” soa sutilmente caribenha, “Odorono” retoma a estética Pop-Art ao exaltar os poderes anti-transpirantes de uma marca de desodorantes que de fato existia na época e “Can’t Reach You” possui uma letra densa e permeada de imagens, na qual o eu-lírico clama por alguma forma de contato de natureza espiritual (personificada na figura do magnífico Meher Baba, guia espiritual de Townshend).
“Medac”, uma das composições de Entwistle, soa extremamente divertida e conta a história de Henry Pond, um garoto que tem o rosto coberto de espinhas e que, após fazer uso regular de um creme facial, “his pimples all had disappeared”. No álbum, há tanta diversidade estilística que até há espaço para um ensaio de “Bossa Nova Inglesa”: “Sunrise”. Nela, figuram apenas um violão de 12 cordas de aço (ao contrário do nylon bossa novista) e a reverberante voz de Townshend.
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Apesar de não ter sido um grande sucesso de vendas à época, The Who Sell Outfoi extremamente bem recebido pela crítica e figura como álbum favorito para vários fãs de The Who e é, certamente, um dos discos mais bonitos e inspiradores de 1967.