Impressões sobre a terceira edição do festival + Entrevista com Glue Trip.
E no último sábado rolou um dos eventos mais aguardados do ano pela cena underground paulista: o Fora da Casinha chegou em sua terceira edição e veio fechar as comemorações dos 10 anos da Casa do Mancha. Dessa vez o festival aconteceu na rua, de graça, debaixo de chuva e de sol, e envolto numa aura de resistência sócio-política onde o grito “fora temer” estava presente até nas pulseirinhas de identificação dos músicos e organizadores – mais udigrudi impossível.
A estrutura do festival estava bem simples e teve galera reclamando que faltaram opções de comida e bebida além dos ambulantes que passavam por ali. Até concordo que uns food trucks não fariam mal a ninguém e tal, porém o acesso a bares, lanchonetes e até mercados ali da região do Largo da Batata estava bem fácil, e assim era possível comprar uma cerveja decente e gelada por menos de 4 golpes por exemplo – incomparavelemente melhor do que pagar o triplo num suquinho de milho né?
Mas vamos logo ao que interessa que é a MÚSICA! E nesse ponto garanto que o Fora da Casinha mais uma vez não desapontou. Pela terceira vez encabeçado por Maurício Pereira, que já é considerado padrinho do festival, o line-up distribuiído por dois palcos reuniu algumas das grandes apostas da cena independente nacional que já passaram pela Casa do Mancha, sendo elas Bárbara Eugênia + Tatá Aeroplano, Vitreaux, Giovani Cidreira, Aloizio e a Rede + Bratislava, Ema Stoned, Raça, Glue Trip, Tagore e Negro Leo. Ufa!
Cheguei no festival no momento em que a Vitreaux mandava os primeiros acordes de seu indie-rock e trazia com eles uma chuvinha mais encorpada. Foi até bom pra dar aquela lavada na alma enquanto via os meninos balançarem o público com faixas do EP ‘Dois por Dois’ (2014), do disco ‘Pra Gente Poder Passear’ (2016) – este que inclusive foi gravado lá mesmo na Casa do Mancha, e também com músicas novas, como o single ‘Na Avenida’ que ao vivo ganhou harmonias vocais ainda mais poderosas e que estará no próximo álbum do quarteto, ‘Na Espera da Fila’, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2018. A banda finalizou o set maravilhosamente com a explosão de ‘Seus Últimos Minutos Psicodélicos II’ – essa faixa sempre me dá um arrepiozinho, ao vivo então. Pra quem ainda não conferiu a energia dos garotos no palco recomendo muitíssimo que compareça à nossa Embaixanight de Helloween porque vai tá tendo ?
Ouça Vitreaux aqui:Na sequência fui conferir pela primeira vez o Giovani Cidreira, mais uma daquelas surpresas boas que os festivais nos trazem, e o Aloizio e a Rede + Bratislava, sempre agradáveis de se ver, e que inclusive tocam hoje no nosso Contramão Session – quantos eventos não é mesmo!
O show da Ema Stoned era o principal da minha listinha porque tudo que vi/ouvi delas até hoje me intrigou. E assim como todos os festivais em que vou, meus planos foram por água abaixo e acabei perdendo boa parte do show, mas foi por um bom motivo que já conto. O pouco que consegui pegar do rock experimental do trio foi simplesmente visceral. Ansiosa para um próximo show delas, mas enquanto não rola me contento com essa viagem de 12 minutos pelo espaço-tempo do single ‘Proxima B':
Ouça Ema Stoned aqui:Enquanto as garotas da Ema Stoned subiam ao palco eu tava fazendo sabe o quê? Batendo papo com a Glue Trip! Eu já havia contado aqui que a banda de João Pessoa foi uma das coisas mais extraordinárias que vi no festival PicniK em Brasília, e parece que o som deles não encantou só a mim, já que eles arrastaram uma galeeera para vê-los no Fora da Casinha (acredito que foi o maior público do sábado), além de conquistar um raro discurso do Mancha em pessoa na abertura do show. Isso não é pra qualquer um mesmo.
Mas também não é pra menos, a banda que já está na estrada desde 2012 e hoje é formada por Lucas Moura (guitarra / vocais), Gabriel Araújo (baixo / vocais), Uirá Garcia (guitarra / vocais / synth) e CH Malves (bateria) surpreende no palco e fora dele. Com um disco (‘Glue Trip’ – 2015) que já foi lançado no Japão e na Europa na bagagem, a Glue Trip segue destilando sua mistura de psicodelia, glo-fi, brasilidades e outras coisinhas pelo país afora. Ao vivo sua música ganha densidade, e o show do Fora da Casinha foi intenso, foi bonito (desde Brasília já tinha curtido as plantinhas que eles usam pra enfeitar o palco), e trouxe faixas inéditas – inclusive com letras em português, uma novidade no repertório deles que me deixou bem curiosa pelo que vem por aí.
E durante nosso papo falamos sobre referências musicais, novidades da cena de João Pessoa e futuro da banda. Confira aqui:
Minha primeira pergunta é claro, sobre o nome da banda. De onde saiu Glue Trip?
O nome surgiu com um amigo, o Chico batera que tocava com a gente. Quando começamos a gravar umas coisas no laptop mesmo, uma coisa assim bem despretenciosa, mostrei pra ele um som e ele disse: meu irmão isso aqui é uma viagem de cola, daí colocamos Glue Trip na hora.
Conheci a Glue Trip da melhor forma que tem pra se conhecer uma banda na minha opinião, que é ao vivo. Vi vocês tocando no festival PicniK em Brasília, não sabia o que esperar do show e foi tipo wow! E mesmo não conhecendo o som de vocês antes, notei que rolam várias experimentações, uns solos mais extensos e tal. Como funciona isso, rola muita improvisação, ou vocês combinam antes, nos contem.
Improvisação na verdade não tem. O que acontece é que o formato das músicas precisava ganhar energia em certos aspectos, e daí as versões ao vivo contemplam isso. Mais enérgico, mais acelerado, mas é tudo bem estruturado, a gente sabe tudo que está acontecendo.
O trabalho de estúdio de vocês também é bem experimental e até difícil de classificar: é lá um rock psicodélico com chillwave, com umas brasilidades também, apesar das letras em inglês. Queria saber quais são as influências ou referências musicais de vocês.
A gente se referencia muito em estéticas específicas, como anos 70, umas coisas mais grooveadas, mais funky, e muita brasilidade também. Escutamos muito Gilberto Gil, apesar de não ser uma influência direta. Também gostamos muito de black music, psy funk. Mas a gente trabalha bastante os timbres, estética e camadas pra chegar na sonoridade que a gente quer. A referência é bem complexa né, não é só uma banda ou disco específico. Tem o histórico de cada um.
O disco de vocês, o Glue Trip de 2015, foi lançado no Japão e na Europa por selos de lá, e aqui no Brasil de forma totalmente independente. Como vcs veem a cena independente por aqui, você estão otimistas quanto a ela?
Estamos sim, e esse ano foi um ano muito massa pra gente, conseguimos rodar bastante, mostrar o som pra muitas pessoas diferentes, galera que a gente nunca teve contato antes. Agora vamos pra Belo Horizonte pela primeira vez, e tá sendo bem legal encontrar essas pessoas que conhecem nosso trabalho e que a gente nem imaginava. Tava sempre ali na internet, no YouTube com clipe e tudo mais, mas a gente não imaginava a dimensão que chega nossa música, e esse ano tá provando isso pra gente. Mas a cena tá muito interessante porque tem todos os elementos. Tem público jovem querendo consumir o que está sendo produzido por perto, tem uma estrutura técnica massa, tem produtores trabalhando forte, tudo isso tá bem legal.
Ouça o álbum ‘Glue Trip’ aqui:
E como anda a cena lá em João Pessoa? Tem festivais rolando, bandas novas pra nos indicar?
A cena de João Pessoa sempre foi muito forte, depende muito da boa vontade de todo mundo, dos músicos, da galera que trampa ali. De festivais destacaríamos o Indie Sessions e o Hacienda. E bandas tem Vieira, Rieg, e uma galerinha mais nova que é a Bicho-grilo.
adorei as indicações, principalmente essa Bicho-grilo:
E o que vocês andam ouvindo? Mais especificamente: qual foi a última coisa que vocês ouviram antes da gente conversar?
Antes de vir pra cá foi o último disco do Jay Z, mas a última coisa que eu (Lucas) ouvi no looping foi um cara chamado XXXTentacion que alguém me enviou e falou que parecia Glue Trip. E também o noise japonês do Ground Zero.
e não é que lembra mesmo a Glue Trip:
Se vocês pudessem convidar um músico, qualquer pessoa do mundo pra participar de uma gravação de vocês, quem seria?
Gilberto Gil de 68 (*concenso da banda depois de muitos nomes citados, rs)
Última pergunta: vocês farão essa turnê agora que vai passar por SP, Curitiba, Minas Gerais, Rio… e depois quais os próximos passos da Glue Trip?
Até o final do ano vamos lançar uma música nova com clipe que foi gravado na chapada do viadeiros – inclusive vamos tocá-la hoje aqui no festival. Quando voltarmos pra João Pessoa vamos terminar as gravações do disco novo que já está quase pronto e que deve ser lançado no início do ano que vem.
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Depois desse papo e do finalzinho da Ema Stoned ainda vi a freetura do Tagore, maravilhoso como sempre, e que nesse show trouxe o guitarrista Arthur Soares – o mascarado da The Raulis, para compor sua banda. Não me perguntem o que eu tava fazendo durante o show do Raça porque eu não sei, só me joguei. E então o festival foi fechado de forma ácida e ruidosa pelas ondas sonoras do Negro Leo, num show extasiante que contou com participação de Ava Rocha.
Fora da Casinha surpreendeu novamente e já deixou a galera ouriçada para o ano que vem. Que venha mais uma década de Casa do Mancha e inúmeras outras edições desse festival. Viva!