Comentado por Guilherme Espir do Macrocefalia Musical.
O ano de 1967 foi um dos mais significativos para a música mundial. A ascensão hippie, the summer of love e a consagração da psicodelia foram pontos cruciais no curso da história do rock’n roll, da música pop, country, folk, soul e do acid rock. E como eu amo os anos 60, não poderia deixar de prestigiar o meio século desse ano tão importante. Para isso, criei a coluna 1967 EM 50 DISCOS, onde semanalmente comentaremos álbuns lançados nesse ano.
A indicação de hoje vem do Guilherme Espir do Macrocefalia Musical e é uma pedrada, saca só!
Álbum: ‘Heavy Sounds’
Gravadora: Impulse! Records
Artista: Elvin Jones & Richard Davis
por Guilherme Espir
edição final Joyce Guillarducci
O Jazz é um estilo que por vezes pode ser mal interpretado. É interessante notar como apenas uma vertente possui tamanha diversidade, mas o problema mesmo é a disposição do ouvinte em relação à ”peneiração” de novos sons. De maneira geral a maioria das pessoas enxerga esta nobre aresta da música como algo meio maçante e blasé, igual a música de fundo do elevador do prédio da sua avó.
O problema é que isso não existe. O Jazz é tão amplo que afirmar o seu desgosto de maneira contundente chega a ser um sacrilégio, tamanha a gama de saídas que esta jam possui. O Jazz é mais versátil que um camaleão desempregado meu caro, a jinga pode ir para o lado mais erudito da força, flertar com a música eletrônica, tirar uma onda com o Funk ou só chegar como quem não quer nada e mandar um som largadão só pra tirar o seu cérebro do eixo e mostrar que respeito é bom e o Jazz não só gosta como merece.
E um dos meus discos favoritos para mostrar o magnetismo do estilo que é um dos grandes pilares da música negra é o fantástico ”Heavy Sounds”, o LP colaborativo entre dois dos maiores mestres do Jazz: o baterista Elvin Jones e o bassman Richard Davis.
Essa união datada de 1967 consegue traduzir em pouco mais de 40 minutos toda a marra da cozinha de Miles Davis. O Jazz não precisa de um motivo, tampouco de um modelo, ele só chega na sua casa, abre a geladeira, reclama que a cerveja acabou e você ainda volta a recebê-lo.
E é exatamente disso que esse disco se trata: sobre a liberdade da improvisação, a genialidade que surge como resultado da união de grandes músicos e a minha necessidade de criar uma “desculpa” só pra poder ouvir mais uma pérola da IMPULSE!
Não vá pensando que só por que essa pérola máxima só tem duas faixas autorais, que o caldo desse groove é mais aguado. É claro que o grande lance é a química que rola no meio da fumaça que o Elvin e o Richard produziram, mas é importante salientar o grande trabalho do sax do Frank Foster e toda a destreza do piano de Billy Greene.
Todo mundo toca muito fácil. Logo na faixa de abertura “Raunchy Rita” trata de emular uma melodia açucaradíssima. Pode botar fé que você vai assoviar esse saxofone por muitos anos e a classe no caminhar do piano e o som puro do baixo só deixam as coisas mais interessantes.
Deve ser duro chegar numa sessão de estúdio pra gravar um LP colaborativo com maestros desse porte, mas o Frank Foster não se intimidou, logo depois já apareceu mais uma composição do cidadão e dessa vez é a leveza dos tons de ”Shiny Stockings” e o baixo de Davis que roubam a cena junto de mais uma primorosa melodia para ser cantarolada ate a sua aposentadoria.
Mas náo é só de Frank Foster que esse disco é feito. Para finalizar a ala das composições próprias o pianista Billy Greene também tratou de garantir uns royalties com a envolvente ”M.E”, o tema mais curto do disco, mas sem dúvida alguma o mais rico em criatividade pianista, isso sem falar que ele chega aquecendo as turbinas para o grande pico dessa gravação, o estonteante estrago do cover de ”Summertime” e o seu acabamento de cordas que apenas engrandece um grande set de solos.
Esse LP é contra indicado para ouvintes pouco experientes, mas é um prato cheio pra quem aprecia experimentos audaciosos e, apesar do grande lance ser a interação entre o Sr. Jones e o cumpra Davis, é válido pontuar a riqueza de repertório, climas e timbres desse trabalho, rola até um take com o Elvin na guitarra, durante o lamento de ”Elvin’s Guitar Blues”.
Swingado, pesado, leve como um pluma ou ousado nos tempos e improvisos, ”Heavy Sounds” é um disco raro, um trabalho que só poderia ter sido cunhado pelos melhores. Cuidado pra nao chorar ao som de ”Here`s That Rainy Day”… Essa prensagem pesa mais que o maço de Marlboro vermelho que a dupla fumou na hora de registrar a foto que virou a cara desse clássico. Primoroso é pouco.